Quase metade das famílias mineiras não autorizam a doação de órgãos de parentes que tiveram morte cerebral. A negativa atingiu 45% em 2022, índice maior do que o período anterior à pandemia de COVID-19, conforme dados da Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig). A lista de espera por órgãos e tecidos no estado soma quase 6 mil pessoas.
A recusa familiar é o principal motivo que impede a doação de órgãos. "Nosso maior gargalo hoje é a captação de órgãos. O transplante só pode ocorrer se houver doação", afirma o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti, durante o lançamento da campanha Setembro Verde, iniciativa do Governo de Minas para incentivar as doações. Em 2019, a negativa familiar era de 25% em Minas Gerais.
O apelo do poder público é para que as famílias conheçam mais sobre o processo. Hoje, não é mais obrigatório que a própria pessoa se declare um doador e autorize a doação, ainda em vida. A decisão cabe aos responsáveis, quando acontece a morte.
"As doações estão aquém do que era antes da pandemia. Muitas pessoas ainda desconhecem a necessidade e importância desse ato", comenta Omar Lopes Cançado, diretor do MG Transplantes, da Fhemig. Segundo ele, um doador pode salvar até 10 pessoas que estão esperando por um órgão.
O número de transplantes no estado subiu, saltando de 1.733, em 2022, para 2.003 neste ano, o que na avaliação da Secretaria de Estado de Saúde (SES) indica uma retomada das doações com a estabilidade dos casos de COVID-19. "Esse número ainda é menor do que o período anterior à pandemia. A quantidade de pacientes ainda é grande, e temos um desafio na captação de órgãos", aponta Omar.
A lista de espera para a realização de transplantes em Minas Gerais somava, até julho deste ano, 5.949 pessoas. O Brasil tem o maior programa público de transplante de órgãos do mundo, garantido a toda a população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Os critérios são por ordem de prioridade e compatibilidade.
"É igual um pronto-atendimento, quando você chega lá tem classificação de risco e é atendido na mesma hora. Com o transplante é a mesma coisa. Temos pacientes com risco iminente de morrer, porque estão tomando medicamento. Esses casos, obviamente, entram na frente pela urgência", esclarece o secretário de saúde.
Histórias de superação
A aposentada Cláudia Botelho, de 65 anos, não acreditou quando recebeu a notícia de que precisaria passar por, não apenas um, mas dois, transplantes. Ela foi diagnosticada com cardiomiopatia dilatada, doença que provoca insuficiência cardíaca, em 2022, e precisou realizar o procedimento de urgência. "Estava em coma, quando acordei minha irmã me avisou que já tinha sido transplantada", conta.
Dez anos depois, o organismo de Cláudia começou a rejeitar o coração e ela precisou receber um novo transplante. Desta vez, entrou na fila de espera. "Foram três semanas de muita dor e sofrimento. Hoje eu e meu novo coração estamos vivendo um caso de amor", brinca. "O transplante é uma espécie de milagre. Você sai de uma condição de quase morte, e retoma a vida. Hoje eu trabalho, viajo, faço tudo. É outra vida", disse.
Passados 20 anos, ela deixa um recado para possíveis doadores: "A família que perde um ente querido e doa, é um consolo muito grande. É uma parte da pessoa viva em outra. Vale a pena para quem recebe e para quem doa", declara.