O desabamento de um prédio, supostamente construído em cima da estrutura de uma casa, no Bairro Planalto, Região Norte de Belo Horizonte, completa um ano nesta quinta-feira (21/9) sem que as causas do colapso, que matou uma pessoa, tenham sido esclarecidas. Apesar de estar regular na data do acidente, a obra já havia sido embargada e o engenheiro responsável chegou a ser autuado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) por irregularidades na construção, um ano antes. Problemas que, pelo menos a julgar pelos dados oficiais da fiscalização municipal, têm aumentando consideravelmente na capital. No caso do Planalto, a perícia da Polícia Civil ainda não foi concluída e não há previsão para o término das análises.
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Questionada pela reportagem, a prefeitura não detalhou a quantidade de vistorias e autuações em imóveis privados, residenciais ou comerciais. Apesar do aumento do número de punições este ano e do altíssimo percentual de irregularidades, especialistas e moradores ouvidos pelo Estado de Minas apontam falhas na fiscalização e cobram monitoramento constante do poder público para prevenir a multiplicação de desastres como o que terminou em morte no Bairro Planalto.
Apesar de ter alvará de construção válido até 2025, a construção que desabou há um ano na Rua Professor Gentil Sales, esquina com Rua Newton Pereira, entrou em colapso matando Lourdes Pereira Leite, aos 73 anos. O marido dela, então com 75, e as filhas do casal, uma de 45 e uma de 40, foram socorridos com vida.
A construção era um sonho do proprietário, que almejava deixar o imóvel como fonte de renda para a filha mais nova, que tem síndrome de Down. Além da garagem, o edifício tinha quatro andares com apartamentos e estava em fase final de acabamento. Uma família morava no andar térreo, mas, felizmente, não estava em casa no momento do acidente.
O pesadelo dos vizinhos
O prédio do Bairro Planalto desabou sobre uma casa ao lado, cujos moradores, marido, mulher e filho, estavam viajando na época. Eles ficaram sabendo do desabamento por meio de ligações dos vizinhos. Os escombros da construção permaneceram no local por meses. Com isso, o imóvel, que poderia ter sido recuperado, foi condenado pela Defesa Civil e precisou ser demolido.
Desde setembro, a vida da família virou um transtorno. Um mês após a tragédia, o imóvel foi invadido. Os ladrões arrombaram o portão duas vezes e levaram lustres da casa. Hoje, a família mora de aluguel no mesmo bairro, e aguarda os desdobramentos do caso. “Construímos com muito sacrifício, trabalhando a vida inteira. Quando tivemos a moradia pronta, aconteceu isso”, relatou a moradora Sueli Abreu Cunha à reportagem do Estado de Minas.
Outro imóvel também foi atingido e teve que ser parcialmente interditado. No local, funcionava um salão de beleza, que paralisou as atividades até a regularização dos danos na estrutura.
A casa de Ilma Cristina Pereira, de 57 anos, vizinha da que foi condenada e demolida, não chegou a ser atingida, mas ainda tem rachaduras nos muros pelo impacto do desabamento. O imóvel foi vistoriado pela Defesa Civil, que assegurou não haver riscos estruturais.
Ainda assim, ficou o susto. “É uma tristeza. Foi muita pressão psicológica”, conta Ilma. Os vizinhos, segundo ela, já haviam denunciado a obra, que durante anos foi tocada sem supervisão de profissional capacitado. Hoje, ela cobra maior atuação da prefeitura e de entidades responsáveis pela fiscalização do setor.
“Deveria haver mais fiscalização nas obras. Um erro em uma construção pode custar a vida de pessoas. O desabamento quase acertou minha casa. Por que deixam as coisas acontecer para depois fiscalizar?”, questiona.
Procurada pela reportagem do Estado de Minas para se posicionar sobre a investigação das causas do desabamento no Planalto, a Polícia Civil de Minas informou, em nota, que, “devido à complexidade do caso, o inquérito policial ainda está em andamento. Em momento oportuno, outras informações serão divulgadas”.
Histórico de irregularidades
A construção do prédio que ruiu no Bairro Planalto havia sido embargada em 2016, dois anos após o início das obras, por irregularidades no licenciamento urbanístico, laudo que é aprovado após a aferição da edificação quanto aos parâmetros de ocupação do terreno previstos no Plano Diretor. Os trabalhos no imóvel permaneceram paralisados até 2021, quando a situação foi regularizada, de acordo com a prefeitura.
A obra em si estava regular, com alvará de construção válido até 2025, mas a presença de moradores no imóvel, ainda em obras e sem liberação municipal para ocupação, não deveria ocorrer. A edificação não tinha certidão de baixa de construção, documento popularmente conhecido como “Habite-se”. Além disso, em 2021, o responsável técnico pelo andamento da construção também foi autuado pelo Crea-MG pela falta de identificação em relação ao serviço em execução, já que a placa de obra disponível na edificação indicava outro profissional.
Fiscalização e informalidade
O desabamento que custou uma vida, além de prejuízos e transtornos a vizinhos, expõe a fragilidade da fiscalização e o desrespeito a exigências de segurança. Na avaliação de especialistas, a capacidade de vistoria atual é reduzida, seja por um efetivo insuficiente ou por projetos que não avançam.
“Nós já tivemos vários acidentes do tipo em Belo Horizonte. Falta de acompanhamento e fiscalizações podem multiplicar tragédias como essa. Temos uma série de programas ligados a riscos sanitários, geológicos, mas não vemos essas coisas sendo implementadas de fato”, afirma Roberto Monte-Mór, pesquisador do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Uma saída viável, para o especialista, seria o investimento em educação. “Para ampliar a capacidade de reação da população frente a situações de crise, é necessário movimento de esclarecimento, de capacitação. Não podemos, diante da situação brasileira, jogar tudo nas costas do Estado. É preciso que haja envolvimento das empresas e da sociedade civil”, avalia.
O cenário reflete ainda outro problema crônico: a falta de investimento em políticas de habitação. Conforme o presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (Ibape), Clemenceau Chiabi, mesmo sendo planejada, Belo Horizonte tem um grande volume de edificações que integram a chamada “cidade informal”.
O termo, explica, é usado para se referir ao conjunto de construções erguidas sem obedecer a regras ou sem as devidas autorizações. “A pessoa entra no lote e começa a construir por conta própria. Nesses casos, é um risco que o construtor assume ao não contratar um profissional formado para a realização do projeto e execução da obra”, disse, em entrevista ao Estado de Minas.
A preocupação em números
O saldo das fiscalizações em obras de BH em 2023
3.834 obras fiscalizadas pela PBH
3.252 autuadas pela fiscalização municipal
2.136 receberam notificações
314 sofreram embargo
802 foram multadas