As gotas de suor que insistem em escorrer pelo rosto são o somatório do esforço de varrer as folhas da calçada usando roupas grossas e luvas sob um sol de 30ºC. No interior da proteção sintética para as mãos e os dedos da gari Naide Rodrigues da Silva, o termômetro infravermelho mediu 40,7ºC. Transpiração também é o preço que a garçonete Cleuza de Souza, de 50 anos, paga para preparar no óleo fervente os pastéis de queijo e de carne para seus fregueses, em uma cabine pasteleira onde a temperatura ambiente chega a 35,5ºC.
Enquanto muita gente enfrenta a onda de calor estacionada no Centro do Brasil com roupas leves, garrafinhas d'água e sombrinhas, alguns trabalhadores sofrem com temperaturas ainda mais elevadas para exercer suas atividades, expondo sua saúde a riscos.
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Mesmo ensopada pelo suor em sua luta para remover as folhas e lixo da calçada do Parque Municipal Américo Renné Giannetti, no Centro de Belo Horizonte, Naide da Silva não parava de varrer mesmo contra o vento, que espalhava tudo, e o sol forte. Quando a reportagem mostrou que suas mãos estavam ‘cozinhando’ dentro da luva, a 40,7ºC, ela se assustou. “A gente faz força com as mãos, varre com insistência para não deixar o vento carregar as folhas, mas não imagina que esse suor todo é por conta de tanto calor”, afirma.
Para evitar o desgaste das altas temperaturas, a gari afirma dar algumas pausas em sombras e aproveitar para sempre beber água da garrafinha que deixa na sombra. “Quando chego em casa, toda molhada de tanto suar, tomo banho e desmaio na cama. Não presto para mais nada. Não vejo a hora desse calorão parar”, disse.
Questão de segurança
A grossa camisa de segurança antichama e arco elétrico é essencial para proteger a vida do eletricista instalador Wemerson Gomes, de 41 anos. Mas a roupagem, que fica por cima de um moletom, eleva sua temperatura em 3,8ºC, acima dos 30ºC medidos no Centro, onde ele procurava um endereço para instalar um padrão de energia elétrica. O suor descia também de seu capacete e dos óculos de proteção. Mas era no interior da bota fechada que a temperatura mais elevada foi medida: 36,4ºC.
“Todos os dias eu trabalho ensopado, mas tem de ser assim mesmo. Se eu tirar esses equipamentos não posso trabalhar. É tudo isso que protege a minha vida. No calor é pior, mas a vida é o nosso maior tesouro. Com ela posso estar com a minha família depois do trabalho”, disse o eletricista instalador.
O nome da lanchonete é sugestivo: Pastel Quentinho. A loja na Rua São Paulo, no Centro, tem nos pasteis de queijo e de carne o maior atrativo para os clientes, que não dispensam refrigerantes e água de coco para aplacar o calor. Não chega neles, mas a gordura fervendo na cabine da pasteleira eleva a temperatura ambiente a 35,5ºC.
“Quando está um dia quente igual a esses últimos, a gente procura ficar mais distante da tigela de fritar. Quando acaba, procura onde que está o vento do ventilador para aliviar o calor e o suor, toma uma água, mas o castigo é forte”, disse a garçonete Cleuza de Souza, de 50 anos.
Grande perigo em 118 cidades
Uma onda de calor com ‘grande perigo’ pode atingir 118 cidades mineiras, de acordo com alerta divulgado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O aviso é válido até as 18h de domingo (24/9). O alerta vermelho de grande perigo indica temperatura máxima 5°C acima da média do mês. Os municípios, localizados nas regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba, Sul e Sudoeste devem apresentar temperaturas entre 37°C e 40°C nos próximos dias.
Cuidados com calor, mas com equipamento de segurança
A onda de calor extremo traz sérios riscos à saúde dos trabalhadores, podendo ocasionar o aumento de acidentes, desmaios e até problemas mais sérios. É o que destaca a especialista em segurança do trabalho e CEO da Moema Medicina e Segurança no Trabalho, Tatiana Gonçalves. "É fundamental que as empresas tenham ações de prevenção. Um dos principais desafios é garantir que os trabalhadores continuem a usar os Equipamentos de Proteção Individual (EPI), mesmo em condições de calor intenso. Isso não pode nunca acontecer. A empresa tem que explicar para os trabalhadores sobre essa importância, podendo ter o risco de ver aumentar os números de acidentes", afirma.
A especialista em segurança do trabalho enumera alguns EPIs que podem gerar desconforto no calor, mas que não podem ser removidos no exercício do trabalho, como óculos de proteção, luvas, capacetes, protetores auriculares, máscaras, abafadores de som, cintos de segurança e equipamentos de segurança para alturas.
"Idealmente, os ambientes de trabalho deveriam ser climatizados, mas como isso nem sempre é viável, especialmente em atividades externas, alternativas precisam ser consideradas. Uma das recomendações é ajustar os horários de trabalho sempre que possível, priorizando as horas mais amenas do dia. Além disso, é essencial que os trabalhadores se mantenham hidratados e tenham pausas frequentes", indica Gonçalves.
A legislação trabalhista prevê a norma NR09 - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais estabelece medidas de controle para eliminar, minimizar ou controlar os riscos ambientais, incluindo o calor extremo.
As áreas urbanas são dotadas de características que ampliam a irradiação de calor contra os trabalhadores, sobretudo os que se movem pouco ou precisam ficar nos mesmos lugares. Há regiões mais baixas e de grande atividade comercial e industrial, como Venda Nova e o Centro de Belo Horizonte, onde naturalmente se concentra mais calor, segundo análise do professor do Departamento de Geografia da UFMG, Wellington Lopes Assis. O especialista é responsável por levantamentos sistemáticos de temperaturas e condições relacionadas ao clima de Belo Horizonte.
“No ambiente urbano há escassez de árvores. Com isso, há menos disponibilidade de sombras. As árvores também contribuem com o processo de evapotranspiração (fotossíntese e liberação de vapor de água), que também reduz a temperatura do ambiente lançando umidade no ar. Fazem, também, a filtragem de partículas dispersas. Por outro lado, temos muito asfaltamento e concreto recebendo excessivamente a radiação solar e a liberando lentamente, o que contribui para aquecer o local acima de outras áreas em condições mais amenas, mais altas, arborizadas e com a presença de lagos ou corpos de água”, afirma o especialista. n