O Largo do Rosário é um patrimônio cultural e imaterial de Belo Horizonte. Centenas de belo-horizontinos passam pelo local onde ele ficava, no cruzamento das ruas da Bahia e Timbiras, no Bairro Lourdes, e não fazem ideia que estão sobre um legado histórico da capital mineira, construído antes da BH planejada por Aarão Reis. Com o auxílio da Fundação Municipal de Cultura (FMC) e do Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário, o Sabia Não, Uai! desta semana resgata a história dessa herança mineira.
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Impossibilitados de participar dos espaços religiosos, a população preta se uniu para criar a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Arraial de Curral del-Rei. E, em 1807, pediram a Dom João VI, príncipe regente de Portugal na época, autorização para construir uma matriz com uma igreja e um cemitério para se concentrar e manifestar a fé. A requisição foi aprovada, desde que a comunidade investisse seu próprio dinheiro na construção.
Primeiros anos do Largo do Rosário
Em 1811, o cemitério ficou pronto e tinha 60 sepulturas. Segundo o mapa do historiador Abílio Barreiro (1957), a capela em homenagem a Nossa Senhora do Rosário foi inaugurada em 8 de outubro de 1819, dia em que as religiões de matrizes africanas celebram a padroeira. A igreja tinha sua frente voltada para o nascer do sol, na esquina da Timbiras com Bahia, na Região Centro-Sul de BH.
O Largo do Rosário, porém, seria bem mais amplo que o cruzamento dessas ruas em Lourdes, segundo historiadores, possivelmente se expandindo pelas atuais ruas Aimorés, Espírito Santo e a Avenida Álvares Cabral.
Segundo o padre Mauro Luiz da Silva, presidente do Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário, mestre e doutor em ciências sociais e também diretor do Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos (Muquifu), existe um estudo do arquiteto Thiago Fialho, indicando que o local fica 10 metros abaixo, em frente ao teatro da cidade. A análise usou como referência o material produzido pela Comissão Construtora da Nova Capital e reinterpretou com base nas dimensões contemporâneas.
A amplitude do Largo do Rosário pode ser explicada pela identificação que a população preta encontrava na irmandade. “O nome Largo do Rosário surgiu porque criou-se uma corrente, uma união de pessoas na região. Muito provavelmente os vizinhos também eram pretos, devotos de Nossa Senhora do Rosário. Então, no entorno da capela formava esse largo, que é uma praça, onde a população mantinha uma vida ativa em comunidade”, explica o padre Mauro Luiz da Silva.
Símbolo de pertencimento
Além de um símbolo de religiosidade, a irmandade tornou-se uma organização que buscava a inclusão e sobrevivência dos seus integrantes. Eles organizavam festas e cultos, providenciavam remédios, alimentos e até buscavam a liberdade de escravizados.
Assim foi até o arraial ser escolhido como a nova capital de Minas Gerais e a comissão construtora chegar aqui em 1894, com um plano republicano. Chefiados por Aarão Reis, a ordem da equipe foi destruir tudo nos limites que hoje conhecemos como Avenida do Contorno.
Soterramento de um legado
Como resultado do planejamento para a construção da cidade, demoliram a capela do Rosário, na virada de 1897 para 1898, e soterraram o cemitério. Os moradores da região foram indenizados, no entanto, o valor não dava condições para que as pessoas comprassem um terreno nos limites da capital organizada.
Para substituir a capela, construíram em 1897, no entroncamento da Avenida Amazonas com as ruas São Paulo e Tamoios, um novo templo. Apesar de ser registrado oficialmente como Igreja do Rosário, é conhecido atualmente como igrejinha Santo Antônio. Porém, essa não era mais ligada à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Arraial de Curral del-Rei.
“Ao construir um novo templo, não levaram em conta os corpos que estavam sepultados, nem a propriedade conquistada independentemente pela irmandade. Assim, ela foi transferida para a Arquidiocese de Belo Horizonte. Os negros perderam além da igreja, o direito de propriedade, referencia identitaria e herança histórica”, afirma o historiador da Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público da Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de BH, Marco Antônio Silva.
Reparação histórica
Assim, a história da Irmandade dos Homens Pretos, e tudo o que ela representava, quase foi apagada. No entanto, o legado deixado pelos povos que ali viviam foi registrado nos últimos anos pelo Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário.
Atualmente, graças à luta da junta para manter viva a memória da cidade, a região do Largo do Rosário foi registrada como Patrimônio Cultural e Imaterial de Belo Horizonte, por unanimidade, pelo Conselho do Patrimônio, órgão da PBH, em 2022. Com isso, foi colocada uma placa na esquina do quarteirão, onde acredita-se ser o lugar mais próximo e mais marcante, para identificar e para que todos que passem por lá saibam da importância do local.
“Quando o Largo do Rosário recebeu o título de patrimônio cultural foi como se o município estivesse dizendo, em outras palavras, que reconhece o passado, essa história e essa dívida com o povo negro. Uma forma de reparação histórica”, comenta Marco Antonio Silva.
Ainda segundo o historiador, com o procedimento, os cuidados do município com a região são ampliados. Torna-se responsabilidade da PBH divulgar, proteger e respeitar história da cidade e do povo negro que ali habitava, com o objetivo de garantir que essa e as gerações em diante reconheçam.
Outras figuras importantes
Inácio da Costa Pereira é o único membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos do Arraial del-Rei conhecido. Isso porque ele foi o escrivão da comunidade que assinou um dos documentos enviados à Dom João VI, em 1811. A carta faz parte do acervo do Arquivo Público Mineiro.
Outro nome que se destaca ao contar a história do Largo do Rosário é o do vigário Francisco Martins Dias, um homem negro que chegou ao arraial em 1892 e acabou atuando na transferência para a nova capital. Ele foi o último religioso a fazer uma celebração na Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e o primeiro pároco da capital.
Sabia Não, Uai!
O Sabia Não, Uai! mostra de um jeito descontraído histórias e curiosidades relacionadas à cultura mineira. A produção conta com o apoio do vasto material disponível no arquivo de imagens do Estado de Minas, formado também por edições antigas do Diário da Tarde e da revista O Cruzeiro.O Sabia Não, Uai! foi um dos projetos brasileiros selecionados para a segunda fase do programa Acelerando Negócios Digitais, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), programa apoiado pela Meta e desenvolvido em parceria com diversas associações de mídia (Abert, Aner, ANJ, Ajor, Abraji e ABMD) com o objetivo de atender às necessidades e desafios específicos de seus diferentes modelos de negócios.