Rio Acima – A ação de uma frota de pelo menos sete balsas e dragas dotadas de maquinário potente vem escandalizando ambientalistas, por revolver o leito do Rio das Velhas atrás de ouro, areia e cascalho em Rio Acima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Uma atividade que ocorre antes da captação da Copasa em Nova Lima, onde é obtida a água responsável por abastecer 40% das torneiras da Grande BH. E que para isso contava com permissão oficial, apesar de já ter sido multada por explorar até fora das áreas para as quais tinha licenciamento.
Após o início das apurações do Estado de Minas, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informou que o empreendimento perdeu a outorga e licença ambiental. Oficialmente, portanto, segundo a Semad, qualquer atividade exploratória na área se torna ilegal. Mas a ação das dragas tem histórico de desrespeitar limites, o que já havia inclusive resultado em multa por atuação fora da delimitação permitida pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
A ação dessa esquadra mineradora no Alto Rio das Velhas deixou ambientalistas indignados. Sobretudo porque a exploração foi autorizada pela ANM e pela Semad sobre um dos principais mananciais de formação do Rio São Francisco e que abastece um dos dois grandes sistemas de produção de água da Copasa na Grande BH. Mesmo quando tinha permissão, a Rio Preserv Ltda., empresa que realiza as atividades, havia sido alvo de fiscalizações e recebido várias autuações por descumprimentos de exigências ambientais e outras.
Segundo a ANM, o pedido de pesquisa minerária do local foi iniciado em 2008 e a licença de lavra só foi concedida neste ano pela agência reguladora do setor. “É um absurdo que está ocorrendo nas barbas de todos, arrebentando com o rio todos os dias, oito horas por dia, infernizando o Velhas, principal manancial de abastecimento da Grande BH, afluente histórico e importantíssimo do Rio São Francisco”, revolta-se o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Marcus Vinícius Polignano, também diretor da organização-não governamental (ONG) ambientalista Instituto Guaicuy.
Em agosto, a equipe de reportagem do Estado de Minas flagrou balsas navegando fora do polígono permitido pela ANM. Apesar dos indícios, não é possível afirmar que, naquele momento, as embarcações estivessem dragando o Rio das Velhas em local sem licenciamento, nem identificar a propriedade das embarcações. No local em questão, o quadrante se refere a uma autorização de pesquisa para viabilidade da extração de minério de Ouro em nome da Mineração Serras do Oeste Eireli, do ano de 2016.
Na atividade das balsas que têm telhados de lonas plásticas com duplo caimento, triangular como os de barracas, o rugido dos compressores ecoa pelos paredões de cânions do Rio das Velhas. No ponto em que as balsas foram observadas, repleto de corredeiras, o manancial está ainda no início de sua viagem de 800 quilômetros rumo ao São Francisco.
Só percorreu 80 quilômetros (10% do total) desde a sua nascente, em Ouro Preto, no Parque das Andorinhas. Por esse motivo, é ainda estreito, com margens de até 20 metros e uma profundidade tão modesta que as embarcações flutuantes chegam a arrastar a parte de baixo dos cascos no fundo pedregoso.
Mais balsas que o previsto
No pedido de licenciamento da atividade, o empreendimento, que revira sedimentos depositados e tudo que há pelo fundo do Rio das Velhas, foi descrito prevendo a atuação de duas balsas e uma tripulação de 10 pessoas, sendo três mergulhadores, um supervisor e um auxiliar de produção por draga. A reportagem, porém, identificou sete embarcações atuando. E há notícias de até uma dúzia em atividade nas curvas do Rio das Velhas.
“É uma área de manancial muito frágil. Além da biota aquática que está sendo morta se trata de um rio sofrido. A dragagem incessante acaba com toda a morfologia, acaba com o ecossistema aquático. Sem falar que, ao revolver os sedimentos depositados ao longo de décadas, são liberados arsênio e outros metais pesados de potencial tóxico, justamente na direção da captação de água da Copasa para a Grande BH, em Nova Lima”, critica Marcus Vinícius Polignano. “Não bastassem as atividades de mineração, estão se aprofundando para dentro da calha do rio.
Sucção e processamento
As embarcações que dragam o leito ficam ancoradas por cordas amarradas a estaqueamentos ou árvores nas duas margens do Rio das Velhas. Algumas praticamente sobre cachoeiras e cascatas de pedra. No interior dos barcos há vários equipamentos, como botijões de gás, esteiras e aparelhagem de mergulho.
O processamento descrito no licenciamento é a extração de cascalho aurífero na calha por meio de dragagem por sucção. “A atividade será realizada na poligonal da ANM 830500/2008. O material succionado passará por uma peneira. O cascalho que ficar retido na peneira retornará ao leito do rio imediatamente”, diz trecho do licenciamento.
“O material passante seguirá até uma caixa primária, de onde será bombeado para uma bica metálica e distribuído uniformemente na mesma, sendo que o fluxo resultante será descartado para o rio. Toda a operação de extração de cascalho aurífero será realizada dentro da balsa, inclusive a sua separação granulométrica”, acrescenta o licenciamento.
Histórico de infrações
Os processos da Agência Nacional de Mineração mostram que a atividade minerária da Rio Preserv no Rio das Velhas já foi autuada e multada por duas vezes em seus trâmites administrativos, a primeira delas em 2013 e a segunda em 2020. Já a Secretaria de Estado de Meio Ambiente informa que a empresa tinha duas licenças, sendo uma para atividade de extração de areia e cascalho para utilização imediata na construção civil e outra para extração de ouro. E confirma os autos de infração.
“Ao todo, foram realizadas sete diligências no local, motivadas por denúncias, solicitações de órgãos de controle e fiscalização de rotina. Em abril de 2023, foi aplicado auto de infração por descumprimento de condicionante do processo de licenciamento. Já no início de agosto, nova fiscalização constatou atividades além dos limites da licença concedida, entre outras irregularidades, com aplicação de penalidades de multa simples e suspensão das atividades”, informou a Semad, relatando por último nova fiscalização feita pela Polícia Militar de Meio Ambiente no local.
A Superintendência Regional de Meio Ambiente Central Metropolitana informou ter revogado as duas licenças ambientais da Rio Preserv Ltda. para extração de areia e cascalho para a utilização imediata em construção civil e lavra de aluvião, “por não possuir a regularização ambiental quanto à utilização dos recursos hídricos para amparar a operação do empreendimento”. O Estado de Minas procurou contato com a Preserv Rio, por telefone e enviando e-mails, para que a empresa se manifestasse sobre a situação, mas não obteve retorno.