A fervura que assola todo o estado nesta semana castiga duplamente os moradores de municípios do Norte de Minas, que enfrentam ainda a histórica escassez de água, com prejuízos também para a agropecuária. Com 10,31 mil habitantes, São Romão é um retrato do drama norte-mineiro. Ontem, os termômetros da cidade bateram em 43,5°C, a mais alta temperatura registrada no Brasil no dia e em Minas Gerais no ano. A informação é do meteorologista Ruibran dos Reis, do Climatempo, que, na segunda-feira, havia confirmado a máxima 43°C na mesma cidade.
“Quando aumenta a temperatura, a evaporação acelera e os córregos e rios secam rapidamente. Se o calor continuar forte desse jeito por mais 30 dias, vai secar tudo por aqui”, assombra-se José Alberto de Oliveira Pena, secretário de Meio Ambiente e coordenador municipal de Defesa Civil de São Romão. O município está em estado de emergência por causa da seca desde meados de maio.
A sede de São Romão é cortada pelo Rio São Francisco, que abastece a cidade. Mas a realidade na zona rural do município é outra. Conforme José Alberto, afastando-se poucos quilômetros do “Rio da Integração Nacional”, começa o flagelo da escassez hídrica, com o secamento dos mananciais. O coordenador de Defesa Civil da prefeitura estima que pelo menos 30 rios, veredas e córregos do município que até cerca de 10 a 15 anos eram perenes tornaram-se intermitentes e, hoje, estão completamente vazios.
Na lista, cita, estão o Riacho do Mato, Riacho da Ponte, os rios Taboquinha, Galho, Várzea da Cruz, Sumidouro, Barreiras, Batizal e o Córrego Escuro. José Alberto menciona ainda a barragem dos Cinco Buritis, distante 28 quilômetros de Belo Horizonte, situada perto de uma área de vereda – indicada pela presença do coco buriti – que, neste ano secou completamente pela primeira vez, depois de um processo iniciado em 2015.
Para o secretário municipal de Meio Ambiente de São Romão, além da elevação dos termômetros, a queda das chuvas, ano a ano, contribuiu para agravar o desaparecimento das fontes hídricas no município. “Até 2012, sempre chovia em São Romão de 800 a 1 mil milímetros anuais. Hoje, a nossa precipitação média gira em torno de 800 milímetros, disse José Alberto. Ele lembra que no último período chuvoso – de novembro/2022 a março de 2023 – foram registrados no município apenas 763 milímetros de precipitações.
Como consequência da “má vontade de São Pedro”, houve muitas perdas de lavouras de milho e feijão e de pastagens. “Os pequenos produtores que vivem em regime de agricultura familiar têm sido diretamente afetados pela falta de água, perdendo (também) toda a produção”, lamenta o coordenador de Defesa Civil de São Romão. Ele informa que a prefeitura de São Romão, por meio de dois caminhões-pipa, tem socorrido cerca de 300 famílias da zona rural atingidas pelo flagelo da falta d´agua, incluindo moradores de três assentados da reforma agrária. A saúde dos moradores também é fortemente afetada, com aumento de casos de diarreia em crianças e infartos nos idosos já sentido nos postos de saúdes, aponta.
O meteorologista Ruibran dos Reis, do Climatempo, explica que a situação enfrentada em São Romão se repete em outros municípios do Norte de Minas, sendo efeito de dois fenômenos simultâneos: o aquecimento global e o El Niño. “A evaporação aumenta muito. A perda de água pelo solo e pelos rios é muito alta. Então, tudo seca rápido. Se o calor persistir, será a pior situação possível”, alerta o meteorologista. “Estamos realmente vivendo um ano muito adverso na comparação com os anteriores, com uma seca muito intensa e essa forte onda de calor. E é uma situação bastante preocupante e com um recorde. E recorde de temperatura não é nada para se comemorar”, comenta.
Árvores são a solução
O meteorologista afirma que a “melhor solução” para frear o aumento da temperatura e amenizar a escassez de chuvas é o plantio de árvores. “A árvore é o melhor mecanismo, a melhor forma de reduzir a temperatura do planeta, porque ela absorve o dióxido de carbono. Com isso, diminui o efeito estufa. Ela também utiliza parte da ação solar para causar a evapotranspiração. Então, a melhor maneira de reduzir a temperatura de uma região é plantar árvores”, recomenda.
“O ser humano precisa se conscientizar disso, o mais urgente possível, que é necessário plantar, urgente, milhares ou milhões de árvores por ano. Com isso que conseguiremos diminuir a temperatura de Minas e do planeta. Com o plantio de árvores garante-se a evapotranspiração, aumentando a quantidade de vapor d água na atmosfera. Consequentemente, teremos mais chuvas”, assegura Ruibran dos Reis.
Prejuízos da seca também em outros municípios
Outros municípios do Norte de Minas também enfrentam o agravamento das consequências da seca, com a elevação das temperaturas. Seis cidades da região, além de Ituiutaba, no Triângulo, e Unaí, no Noroeste do estado, batem em 40°C ou até ultrapassaram a marca (veja quadro). É o caso de São Francisco, cidade de 52, 7 mil habitantes, vizinha a São Romão, às margens do rio homônimo. Embora não esteja na lista das que passaram dos 40°C ontem, a cidade ferve e enfrenta falta de água. Segundo o superintendente da Defesa Civil Municipal de São Francisco, Romenig Barbosa Martins, a prefeitura abastece 5 mil moradores com caminhões-pipa e recorre ao governo do estado para garantir o pleno atendimento a outras 4,7 mil pessoas também afetadas pelo drama da falta d água.
De acordo com o superintendente de Defesa Civil, levantamento da prefeitura aponta que cerca de 14, 7 moradores da zona rural de São Francisco foram afetados pelas consequências da estiagem prolongada e pelo sol forte. Além da diminuição dos recursos hídricos, sofrem com as perdas de lavouras e de pastagens e queda na produção de leite.
“Neste ano, a crise hídrica esse está muito maior pois devido às altas temperaturas. Os prejuízos são maiores com muitas regiões do nosso município afetadas pelo desastre, tendo diminuição e até secamento em muitos casos de poços artesianos, lagos e demais recursos hídricos”, disse Romenig.
O quadro crítico da estiagem prolongada também é encarado em Pedras de Maria da Cruz, de10,4 mil habitantes,, outro município norte-mineiro às margens do Rio São Francisco, caracterizado por temperaturas altas. “O município de pedras de Maria da Cruz, há anos, vem sofrendo com as fortes secas. Em 2023, a situação se agravou ainda mais com a forte onda de calor e ar seco”, afirma Jocimário Gonçalves da Silva, coordenador de Defesa Civil do município.
Segundo ele, além do registro de grandes perdas na produção agrícola e pecuária, atualmente, 2.176 pessoas de 16 comunidades rurais de Pedras de Maria da Cruz estão sendo abastecidas por caminhões-pipa. Jocimário salienta que muitos mananciais e barraginhas secaram. Além disso, o nível do Rio São Francisco também baixou, “causando dificuldades para o tráfego de embarcações e prejudicando os moradores ribeirinhos e pescadores”. (LR)