Mariana – Ao reabrirem as portas, na manhã de hoje, a Igreja São Francisco de Assis e o Museu de Mariana (Casa do Conde de Assumar), em Mariana, na Região Central do estado, terão muito mais a mostrar do que as imagens do templo barroco, os ambientes dos tempos coloniais e parte da história tricentenária da primeira vila, cidade e diocese de Minas Gerais. Durante o restauro dos dois bens do século 18, o trabalho foi acompanhado por arqueólogos, que encontraram objetos e fragmentos descartados ao longo do tempo e, agora, apresentados a moradores e visitantes.
“Estivemos presentes durante toda a movimentação dos trabalhadores, nas áreas externa e interna da igreja e do museu”, explica a arqueóloga Clarisse Callegari Jacques, da Peruaçu Arqueologia, empresa contratada para o serviço. Assim, enquanto as equipes se dedicavam às mais diversas funções, do encanamento, com escavação no solo, ao restauro do forro, os arqueólogos estavam de olho no “lado oculto” da edificação tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Na vala feita ao redor da igreja e do museu para implantação do sistema de descarga elétrica, foram encontrados muitos objetos, entre antigos e recentes, diz Clarisse, informando que a área foi muito “remexida” ao longo dos anos, indicando possíveis interferências. Assim, o que poderia ser considerado lixo para alguns, representa, na verdade, um valioso material de pesquisa sobre a história, os costumes e as tradições da cidade.
Em toda a área externa, foram retirados cacos de louça, ossos de animais, cachimbos (de cerâmica) de escravizados, fragmentos de telhas, de pedra-sabão e de grés (tipo de cerâmica), cacos de garrafas de bebida alcoólica, remédios e vidraça, peças de metal, a exemplo de chaves, dobradiças e cravos. Especificamente na área interna da igreja, estavam pedaços de imagens de santos.
CARTAS DE DEVOÇÃO
Chamou a atenção da equipe de arqueólogos as cartas manuscritas, algumas com moedinhas, muitas delas pedindo ajuda e a bênção dos santos. “Encontramos também bilhetes enfiados nas paredes da igreja e até no forro”, conta Clarisse. Documentos pessoais, papéis de bala, canetas, brinquedos, incluindo um cavalinho, também foram descobertos
Na área interna do templo, o serviço foi realizado abaixo das campas (antigamente usadas para sepultamento), espaço que demandou obras para sustentação, e abaixo da sacristia, bem como nas áreas de banheiro, para instalação de nova estrutura hidráulica.
O material coletado teve várias destinações. Enquanto as cartas, bilhetes e documentos foram encaminhados ao Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, parte do material arqueológico foi levado para o Museu de Ciência e Técnica (MCT) da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Outra parte do material ficará exposta no Museu de Mariana, a partir de hoje.
CERIMÔNIA
Marcada para as 10h desta quinta-feira (28/9), a solenidade de reabertura da Igreja São Francisco de Assis e inauguração do Museu de Mariana contará com a presença da ministra da Cultura, Margareth Menezes, em sua primeira visita a Minas após assumir a pasta.
Nos últimos quatro anos, foram investidos, nas duas obras, R$ 17 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Instituto Cultural Vale e programa federal PAC das Cidades Históricas, cujos recursos partem do Iphan. O Centro Histórico de Mariana tem tombamento federal, sendo o templo católico protegido isoladamente pelo Iphan.
Foram muitos anos de expectativa, dúvidas, temores e polêmicas. Por duas vezes, a igreja sofreu interdição, conforme documentou o Estado de Minas. Em março de 2009, por determinação da Justiça, as portas foram lacradas, com proibição de atividades religiosas e visitação pública, até que fossem executadas obras para garantir a estabilidade da estrutura e a segurança dos visitantes. Na época, o pedido de interdição partiu do Ministério Público de Minas Gerais, por solicitação do escritório regional do Iphan.
A segunda interdição ocorreu três anos depois, e, desde então, a igreja estava fechada. Em maio de 2012, a Prefeitura de Mariana fechou o templo com base em laudo do Iphan, que apontou problemas na cobertura e estrutura do prédio. Já a Casa do Conde de Assumar, transformada em Museu de Mariana, em situação de quase arruinamento, tinha portas e janelas constantemente fechadas.
Os investimentos na recuperação da igreja começaram em 2014, com os projetos de obra civil (hidráulica, elétrica e prevenção de incêndios) e elementos artísticos custeados pela Prefeitura de Mariana e Iphan, no PAC das Cidades Históricas. Em 2019, vieram as obras, tendo como proponente o Instituto Pedra e recursos do BNDES e do Instituto Cultural Vale.
A Casa do Conde Assumar, na área de tombamento federal, teve projetos elaborados com recursos da prefeitura local e projeto museográfico a cargo do PAC Cidades Históricas. A exemplo da Igreja São Francisco de Assis, o proponente é o Instituto Pedra e os recursos partiram do BNDES e do Instituto Cultural Vale.