Os Xakriabá chegaram à Prefeitura de São João das Missões em 2004 e, 18 anos depois, conseguiram eleger a primeira deputada federal indígena da história de Minas Gerais. Célia Xakriabá ultrapassou a marca dos 100 mil votos, conseguiu eleitores em todas as regiões do estado e ganhou notoriedade nacional pela luta pelos direitos indígenas, em meio à tramitação e aprovação no Congresso Nacional de projetos que colocam em risco a cultura e sobrevivência dos povos originários do Brasil .
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Em entrevista ao Estado de Minas, a parlamentar, professora e doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), falou sobre a recente aprovação de projeto do marco temporal no Congresso Nacional, a luta de seu povo pela retomada das margens do Rio São Francisco e também sobre seus planos para a política local em São João das Missões. Leia os principais trechos da entrevista.
Como a senhora avalia a aprovação do marco temporal no Senado? Como ele afeta especificamente o povo Xakriabá no Norte de Minas?
O marco temporal aprovado no Senado em forma do PL 2.903 impacta não somente o povo Xakriabá, mas todos os povos indígenas do Brasil que têm áreas que passam por algum procedimento demarcatório. Digo mais, que essa tese atinge todos povos indígenas, mesmo aqueles que já têm território demarcado, porque existem artigos que abrem brechas para regulamentação de exploração em terras indígenas, de maneira que as questões ambientais de modo geral também serão impactadas. Além disso, projeto traz em seu texto diversos ataques aos povos indígenas e formas de flexibilizar a exploração em nossos territórios. Um absurdo histórico, que segue o projeto programado de ecocídio do último governo. Em apenas um dia, o PL teve parecer favorável na CCJ, urgência e mérito aprovados. Uma verdadeira demonstração de que o debate não é algo que os senhores de gravata prezam ou querem. A urgência deles é pela destruição e pelo passar da boiada. Estamos falando de um projeto inconstitucional, votado às pressas e com recusa de debate.
Qual será a postura diante da aprovação do projeto?
Vamos resistir sempre, mesmo diante ao absurdo colocado nesta Casa de senhores que muito falam e pouco escutam. Agora, a bancada do cocar segue a mobilização em campanha pelo veto presidencial. Somos pela vida e rechaçamos essa posição do Senado Federal. Sou deputada do estado de Minas Gerais, do povo Xakriabá, do município com maior população indígena que está me emprestando para o Brasil. Já fui em 15 estados brasileiros em apenas em 200 dias de mandato. Eu sei o que é a guerra no campo. O Congresso tenta justificar o PL 2.903 com segurança jurídica, mas a verdade é que ele aumenta e acirra o conflito e coloca o povo em insegurança de existência, quando incita a população do entorno dos territórios indígenas a ser contra a esse direitos originários.
Como representante do povo Xakriabá em Brasília, como a senhora vê a viabilidade de concretizar a luta dos indígenas pela retomada das margens do Rio São Francisco?
Estou do lado da luta do povo, mas a demarcação dos territórios indígenas não é uma atribuição do Legislativo. Xakriabás não têm acesso ao rio, esse bem tão sagrado que completa 522 anos, o Velho Chico, basicamente a mesma idade de luta e resistência dos povos indígenas do Brasil. Digo que a terra é mãe e o rio é pai e queremos o Velho Chico vivo e livre. Para nós, que vivemos no extremo Norte de Minas, é importante pensar a democratização do acesso à água.
A senhora pretende apoiar algum candidato nas eleições para prefeito de São João das Missões no ano que vem?
Primeiro, gostaria de externar satisfação alegria orgulho de ser eleita com mais de 80% dos votos indígenas do meu povo Xakriabá, com uma porcentagem alta no município de São João das Missões e municípios do entorno. Sou a única mulher eleita deputada federal do Norte de Minas e tenho orgulho disso. Fui votada em 804 dos 853 municípios do estado. Quanto a apoio a candidatura para o município, ainda não discutimos. Essa discussão sempre passa primeiro por momentos coletivos no território. Assim foi em outros momentos, bem como minha candidatura, ela passa por uma apreciação do povo. Sempre digo que o povo é o quarto poder, é sempre importante fazer essa consulta. Política significa ciência de governar e eu acredito numa ciência de governar onde haja consulta. Mas defendo sempre a importância da ampliação da presença indígena comprometida com as pautas de luta no Legislativos e Executivo, vereança e prefeituras.
Fomos até São João das Missões e conversamos com o prefeito. Como se dá a relação da senhora com a atual administração da cidade? A senhora pretende destinar emendas parlamentares a São João das Missões a partir de seu segundo ano de mandato?
Pretendo destinar emendas para atender o povo Xakriabá e o município de São João das Missões na área da saúde, educação, cultura e esportes. Sei o quanto precisamos ter um olhar de fortalecer políticas sociais e que gere também possibilidade de uma circulação econômica para estruturar uma autonomia. Para isso, é importante a parceria com o município na responsabilidade de entes federados. Dizem que nossas cabeças pensam onde nossos pés pisam e embora eu pise em muitos chãos, meus pés e coração estão conectados a onde venho e, por isso, sigo em defesa deste projeto tão caro a nós entre o chão da aldeia e o chão do mundo, em defesa da terra, das águas, das montanhas gerais. Porque entendemos que essa luta é para além do nosso povo, é para Minas Gerais, para o Brasil e pelo planeta.