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Estado de Minas HEROÍNA

Conheça a história da professora que morreu salvando alunos em Minas

Seis anos após o incêndio em creche que matou 14 pessoas, 10 delas crianças, série do EM faz reflexão sobre a difícil e bela missão de ensinar


08/10/2023 04:00 - atualizado 08/10/2023 07:36
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A fachada da escola em Janaúba, agora reformada: prédio antigo não tinha alvará nem equipamentos de combate a incêndio (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Janaúba - Há seis anos, Janaúba, no Norte de Minas, ganhou notoriedade nacional por um motivo trágico, mas que atraiu novos olhares para a educação infantil. Em 5 de outubro de 2017, o vigilante noturno Damião Soares dos Santos invadiu a Creche Gente Inocente, ateou fogo a si mesmo e aos cômodos da instituição.

O ataque terminou com a morte de 14 pessoas, 10 delas crianças. Das cenas de terror, sobressaiu a imagem de Helley de Abreu Silva Batista, a professora que lutou com o agressor, salvou a vida de dezenas de alunos e morreu com quase 90% do corpo queimado. Hoje, na abertura da série “Vida de Professor”, que se estende até o próximo dia 15, data dedicada ao profissional que prepara todos os profissionais, o Estado de Minas mostra a realidade de docentes da cidade em que a sala de aula foi palco do martírio de uma heroína.

Desde 2017, ano após ano, o mês de outubro em Janaúba traz de volta memórias do cenário de terror na Creche Gente Inocente, hoje Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Helley de Abreu, batizado em homenagem à professora que impediu que a tragédia fosse ainda mais grave.

Na cidade, a equipe do EM ouviu relatos de professoras que se lembram da data da tragédia. A diretora do Cemei Izabel Maria de Jesus, no Bairro Dona Lindu, Eliane Mendes, lembra com emoção da colega de profissão e enxerga seu ato de heroísmo como um exemplo trágico da dedicação com a qual os educadores exercem seu trabalho.

“A tragédia foi nessa época de outubro, Semana das Crianças. Não tem jeito, todo ano, automaticamente, parece que toda aquela lembrança retorna. Foi bem complicado, a educação ficou toda em luto por todos os que perderam a vida, mas a Helley foi uma propulsora, ela não mediu esforços para salvar as crianças”, testemunha Eliane.

“O que ela fez reflete essa ideia da educação além dos currículos, da educação por amor, mesmo. Porque, se não tivesse o amor, o cuidado, ela teria ido embora, teria saído (no momento do ataque) e não teria voltado. Educação infantil envolve amor, envolve cuidado. Ela inspirou muita gente. Não tem como não lembrar”, afirma.
 
As lembranças citadas pela diretora da escola de Janaúba remontam ao episódio em que o vigia Damião Santos entrou na creche sob pretexto de entregar um atestado médico e ateou fogo ao próprio corpo e ao espaço onde dezenas de crianças entre 3 e 7 anos estavam em aula. Além dos 10 alunos que morreram, o atentado vitimou as professoras Helley de Abreu e Jéssica Morgana, a auxiliar Geni Oliveira o próprio incendiário.
 
O comportamento de Helley na época ampliou os contornos dramáticos do atentado. Ao perceber o início do incêndio, a professora iniciou a retirada de seus alunos do maternal por uma janela da sala, até ser alcançada por Damião. Segundo testemunhas, ela lutou corpo a corpo com o agressor em chamas, até que o fogo a deixou inconsciente e incapaz de conter o vigia e salvar o restante dos estudantes. O ato de heroísmo da professora foi imediatamente reconhecido, dias após o atentado, quando ela recebeu postumamente a Ordem Nacional do Mérito, do então presidente Michel Temer (MDB).

Exemplo de entrega

O feito da professora Helley modificou a percepção mesmo de quem na época do atentado já atuava na educação de crianças havia duas décadas . Professora em Janaúba desde 1997, Ivani Pereira dos Santos conta como reconheceu no ato heroico da colega elementos que fazem parte do cotidiano das creches e escolas, apontando a necessidade de valorização da profissão que exige muito dos educadores.
 
“Eu percebi que o professor sempre é um herói. Sempre será um herói, diante de todos os enfrentamentos que a gente vem tendo na educação. É uma profissão árdua e uma missão muito grande, porque o professor, desde quando se desloca da sua residência para atuar na sua instituição escolar, carrega uma bagagem de saberes e de conhecimentos, mas também de problemas que, às vezes, ele sozinho não consegue resolver”, avalia.
 
Para a educadora, esse foi o papel que a professora Helley assumiu no dia da tragédia. “Ela se esqueceu de si para defender os pequenos indefesos, porque nem ela mesma sabia o que estava acontecendo naquela hora. Abriu mão de si para se dedicar àqueles com os quais ela estava todos os dias, alimentando de esperança e pensando em um futuro melhor”, afirma.
 
“Os professores se alimentam de esperança todos os dias, mesmo diante das dificuldades, mesmo diante desse cenário de noticiários tristes, que a gente vê de vez em quando. O professor não desiste, porque está lidando com gente, na esperança de um mundo melhor. Vejo o papel do professor assim”, diz, emocionada.

Heroísmo e missão

“Na educação infantil, temos papéis primordiais. Temos crianças muito carentes na comunidade em que a escola está inserida, e a gente vê que se optarmos só pelo papel de educar, vamos deixar de fazer outras funções. Tem criança que a gente precisa pegar no colo, precisa dar carinho, fazer um pouquinho do papel de mãe... Não é fácil. Para a criança que não tem muitas condições em casa, a escola acaba fazendo esse papel, que vai muito além de ensinar.” O relato de Eliane Mendes, diretora do Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Izabel Maria de Jesus, em Janaúba, destaca a importância dos educadores logo na primeira infância.
 
Como ela, outros educadores de Janaúba recordam o evento trágico na Creche Gente Inocente, que reflete, em um cenário extremo, como os professores não poupam esforços para proteger seus alunos. “Nós, professores, não somos os mediadores do conhecimento, somos os mediadores do todo. A educação infantil trata sobre os valores e cuidados que criam uma base fundamental. O heroísmo do que aconteceu aqui em Janaúba está basicamente no trabalho da educação infantil, que envolve esse cuidado materno. A gente coloca os alunos como filhos”, afirma Rita de Cássia Pereira, professora há 26 anos na cidade do Norte de Minas.
 
Para a Coordenadora de Educação Inclusiva de Janaúba, Jane dos Santos Souza, a professora Helley de Abreu é um exemplo que mostrou ao país como a dedicação no ensino se faz presente mesmo nos momentos de risco extremo. “O ato dela mostrou na prática que o papel professor vai além do ensinar: inclui o proteger. Foi o que ela fez: pensou mais nas crianças, que eram indefesas, e as protegeu. Fez o máximo que pôde, a ponto de ela própria sofrer as queimaduras para poder salvar os alunos. Helley mostrou na prática o que realmente é a missão do professor.”

Homenagens

Natural de Montes Claros, Helley de Abreu Silva Batista morreu tragicamente aos 43 anos em Janaúba. A heroína do Norte de Minas recebeu a Ordem Nacional do Mérito e a Medalha da Inconfidência, honrarias dos governos federal e estadual, respectivamente, e teve seu nome espalhado por todo o país em diversas homenagens. Veja algumas delas:

Centro Municipal de Educação Infantil (Cemei) Helley de Abreu – Janaúba/MG
Centro de Educação Infantil Professora Helley de Abreu Batista – Lagoa Santa/MG
Creche Proinfância Helley de Abreu Silva Batista – Pouso Alegre/MG
Centro Educacional Infantil (CEI) Helley de Abreu Silva Batista – Fortaleza/CE
Centro de Educação Infantil (CEI) Helley de Abreu Silva Batista – Araquari/SC
Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Professora Helley de Abreu Silva Batista – Foz do Iguaçu/PR
Centro de Ensino Infantil Professora Helley de Abreu Batista – Sorocaba/SP
Rodovia Helley de Abreu Silva Batista (antiga LMG-631) - Liga São João da Ponte à BR-122
Nome de ruas em Picos/PI, Jacutinga/MG e Lajeado/RS
Prêmio Helley de Abreu Silva Batista, concedido pelo Conselho Estadual de Educação de MG 

Tragédia levou à revisão das normas de segurança

Janaúba - “Foi um marco trágico na história da educação da nossa cidade, porque ocorreu em uma escola infantil. Eu estava trabalhando como professora naquele momento, e receber a notícia trouxe impacto para todos nós, os alunos da cidade, os familiares, os profissionais. Trouxe muita dor, muita insegurança e muito temor. Mas vejo que superamos e que o fato trouxe possibilidades de melhoria na questão da segurança das escolas. De tudo que acontece, a gente precisa tirar algum aprendizado. Dessa tragédia, aprendemos a investir mais na segurança das nossas crianças”, afirma Jane Souza, coordenadora de Educação Inclusiva, que acredita que os professores de Janaúba se tornaram mais atentos após o episódio de outubro de 2017.
 
Para ela, o atentado chamou a atenção para um risco que, até então, não era considerado. Desde aquele 2017, os casos de violência em escolas não se tornaram mais raros. Ainda neste ano, o país viveu uma onda de ataques e ameaças em ambiente escolar, com episódios trágicos como a morte de uma professora a facadas em São Paulo e o assassinato de quatro crianças a machadadas em Blumenau, Santa Catarina.
 
Em março deste ano, o Estado de Minas fez um levantamento mostrando que os atentados provocaram uma avalanche de projetos de lei no Congresso Nacional. Foram mais de 60 propostas em menos de 15 dias, boa parte delas relacionadas à instalação de detectores de metais na entrada de escolas ou à presença de profissionais de segurança armados dentro do ambiente escolar.
 
A professora da Faculdade de Educação da UFMG Valéria Oliveira, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp-UFMG), reforçou que resolver a questão da segurança em espaços de ensino requer respostas tão sofisticadas quanto a gravidade do problema. “A resposta é muito mais complexa do que esses projetos de lei sugerem. Não estou dizendo que eles não tenham relevância, mas que esse tipo de medida não é suficiente e não vai eliminar a chance de que esses eventos aconteçam no Brasil e nas nossas escolas”, alerta.
 
“Se o professor percebe que um estudante está com um comportamento mais agressivo, ou que tem dificuldade de relacionamento, esse grupo poderia pensar junto nas ferramentas para intervir, ajudar o aluno. O treinamento é mais complexo, não é o professor aprender técnicas de defesa pessoal, manejar uma arma de fogo, até porque diante de todas as exigências de formação continuada aos docentes, é difícil imaginar que eles tenham de fazer um curso de tiro”, afirma a pesquisadora, referindo-se a correntes que defendem a possibilidade de educadores se armarem contra a violência em escolas. 

Renovação após o abalo

O Centro Municipal de Educação Infantil Helley de Abreu foi reaberto em março de 2018, menos de seis meses após o atentado que assombrou a cidade e destruiu a antiga Creche Gente Inocente. A reconstrução do espaço foi feita com apoio de empresários do setor de construção civil do Norte de Minas e instituições como a Fundação Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos). A unidade fica no Bairro Rio Novo, em novo prédio com capacidade para cerca de 40 crianças de até 5 anos em estrutura com quatro salas de aula, berçário, fraldário, sala administrativa e cantina. A professora e diretora do Cemei Izabel Maria de Jesus, Eliane Mendes, relembra como foi trabalhar na retomada das atividades da creche incendiada. “Todo professor fica se imaginando no lugar da Heley. Todo todos nós que trabalhamos com as crianças pensamos o tempo todo: 'Se fosse com a gente, o que a gente faria ?'.”


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