Somar conhecimento, subtrair dificuldades, multiplicar tarefas e saber dividir muito bem o tempo. A vida do professor passa, no dia a dia, pelas quatro operações matemáticas e adiciona outras fundamentais ao mundo contemporâneo: compartilhar, inovar, criar.
“Quem imagina a vida do professor apenas na escola ‘vai tomar bomba’”, diz, com bom humor, o mineiro Luiz Filipe de Melo Gonçalves, de 26 anos, professor de matemática nos ensinos fundamental e médio de duas escolas na Grande BH. “O tempo todo a gente está trabalhando, lendo, buscando se aprimorar”, acrescenta.
Quando são mais jovens, os docentes podem ter mais conexão com os alunos em termos tecnológicos, “embora nada substituta o contato entre professor e turma na sala de aula”, acredita o biólogo Paulo Ricardo Silva Coelho, de 33, dono de um dia pleno. Casado, pai de Lis, de 2, e professor numa escola técnica na área de saúde, na Região do Barreiro, em BH, ele faz doutorado em parasitologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “São muitos os desafios e vamos enfrentando”, afirma, enquanto Caroline Oliveira, graduada em educação física e mestranda, assegura: “Eu me dedico e me formo diariamente para ser uma boa professora.”
FÉ NA JORNADA
Trafegar pelas rodovias que cortam a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) nunca foi empecilho para Luiz Filipe de Melo Gonçalves estudar e trabalhar. Antes de ônibus, hoje de carro, o morador de Jaboticatubas, a 63 quilômetros da capital, conhece a rodovia MG-020 como a palma da mão, pois fez o curso superior de matemática em BH, concluído em 2018, e hoje leciona em duas escolas estaduais: Presidente Itamar Franco, no Bairro Belo Vale, no distrito de São Benedito, em Santa Luzia, e Leônidas Marques Afonso, na sua cidade. “É uma vida corrida, o dia inteiro por conta das aulas, mas tiro de letra”, conta Luiz Filipe.
“Quem imagina a vida do professor apenas na escola está enganado”, observa Luiz Filipe. “Tem o preparo das aulas, correção dos exercícios, atividades extracurriculares, acompanhamento da vida escolar, enfim, ficamos ligados o tempo todo. Mais do que ligados, conectados. A tecnologia ajuda bastante, mas a cabeça do aluno precisa ‘funcionar’, principalmente com a matemática. Raciocínio é tudo.”
Filho da técnica de enfermagem Maria Augusta de Melo, Luiz Filipe descobriu cedo sua vocação. “Nos ensinos fundamental e médio, tive três ótimas professoras de matemática. Aprendi muito com elas, e, ao longo do tempo, fui vendo que os números, as equações e as demais questões ligadas à matéria me fascinavam. Assim, entrei nesse universo e digo, sem medo de errar, que sou um apaixonado pela matemática”.
Mesmo reconhecendo uma série de dificuldades, Luiz Filipe põe fé na sua jornada: “O professor está presente na história de todas as pessoas. Se você é médico, advogado, cientista ou desempenha outra profissão é porque teve alguém para te ensinar. Gostar do que se faz é gratificante. Sei dos problemas que nossa categoria enfrenta, mas não decidi ser professor só por causa de dinheiro. Trabalho por amor”.
OBJETIVO MAIOR
A paixão pela educação e o gosto pelo ambiente escolar motivam o biólogo Paulo Ricardo Silva Coelho, de 33, professor na área de saúde da Meta Escola Técnica, no Barreiro, em BH, conveniada ao projeto do governo estadual Trilhas de Futuro (oferta gratuita de cursos técnicos aos estudantes e egressos do ensino médio).
Com sete anos de profissão, já havendo lecionado em cursinho pré-vestibular, Paulo Ricardo é daqueles que sabem dividir o tempo para dar conta de tudo. Residente no Bairro Santa Terezinha, na Região da Pampulha, ele conjuga atividades escolares e domésticas – é casado e pai de uma menina de 2 anos – ao doutorado em parasitologia no Instituto de Ciência Biológicas (ICB), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Não raro, lá está o doutorando às margens da Lagoa da Pampulha, na capital, coletando amostras da água para suas pesquisas. Outro ambiente que lhe é familiar é o laboratório, tanto que a foto para esta reportagem foi feita no do ICB, quando ele participava das atividades do doutorado.
A vocação para lecionar surgiu bem cedo, e, durante o curso de ciências biológicas, enquanto muitos colegas buscavam definição, Paulo Ricardo já sabia o que queria. “A vida do professor é muito atribulada, e os próprios pais sentiram isso durante a pandemia, quando tiveram que fazer as lições, em casa, com seus filhos. Posso garantir que não é para qualquer um, mas para quem realmente gosta do ofício. Lutamos contra os baixos salários, a desvalorização profissional, nada é fácil, mas nosso objetivo maior é ensinar.”
Com os novos tempos e a tecnologia ganhando cada vez mais espaço, o professor está aberto à modernidade e às inovações, e Paulo Ricardo está certo de que os docentes mais jovens podem lidar melhor com os avanços, as novas ferramentas, a instrumentalização. “Os conteúdos estão disponíveis na internet, mas o aluno precisa saber fazer uma boa pesquisa. Nada substitui a sala de aula, o contato, direto, e, especialmente, a orientação do professor”, avalia.
EXEMPLO PRESENTE
Com o maior orgulho e alegria, Caroline Oliveira, de 29, fala da sua profissão: “Sou professora de educação física”. A palavra “professora” soa mais forte na frase, porque a moradora do Morro do Papagaio, na Barragem Santa Lúcia, Região Centro-Sul de BH, se declara totalmente apaixonada pela educação, pelo ensino, pelo ofício de dar aulas. “Isso faz meus olhos brilharem. Eu me dedico e me formo diariamente para ser uma boa professora.”
Graduada em educação física pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e fazendo mestrado em educação na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, Caroline conhece bem a realidade da comunidade onde nasceu, cresceu e agora trabalha com alunos do ensino fundamental numa escola da região.
“Penso que a proximidade de um professor jovem com os alunos é importante, pois facilita a comunicação. Alguns dilemas são parecidos, falamos a mesma língua, há uma compreensão maior de tempo e espaço”, afirma. Caroline foi monitora num curso de informática, depois deu aula em duas escolas de BH. “Vi ali que a vida do professor não é nada fácil, mas fiz a escolha e decidi ir nessa direção.”
No dia a dia, a professora se sente feliz por construir e indicar caminhos para outros moradores do aglomerado. “Fico feliz em possibilitar que pessoas como eu possam se ver em outros espaços, pois nem sempre temos referências nas escolas. Eu mesma tive poucas professoras negras. Um dia, um rapaz me perguntou como era estudar educação física na UFMG. Vi que o pensamento dele poderia ser algo impossível, mas, naquele dia conversamos e ele se sentiu encorajado”, conta.
A identificação do aluno com o professor é outro lado importante do ofício. “Já vi meninas dizendo assim: ‘Olha, ela tem o cabelo afro! ‘Que doido!’” Assim, acredito que, com nosso trabalho, podemos ser agentes de transformação social. Portanto, ser professora, para mim, é um ato político”, afirma Caroline.n