Funcionários que trabalhavam na obra do supermercado Verdemar, no Bairro Belvedere, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, já haviam relatado problemas na estrutura semanas antes do desabamento. O acidente na manhã desta terça-feira (17/10) matou quatro pessoas.
A reportagem do Estado de Minas conversou com um dos operários presentes no local na hora do acidente. Muito abalado e assustado, o homem contou que trabalhava no outro lado da obra quando viu o deslizamento. "Podia ser eu. Na hora, eu estava tirando a terra de outro lugar e consegui ver caindo. Sai correndo pra ajudar. Muito desesperador", contou.
Segundo ele, que preferiu não se identificar, os funcionários já haviam relatado o aparecimento de uma rachadura na base do talude semanas atrás. Mesmo assim, nenhuma medida foi tomada. "Foi uma tragédia anunciada. Não tinha segurança. O mestre, engenheiro já tinham falado. Mas eles não ouviram a gente, não fizeram nada ali", disse.
"Era uma obra para não ceder, sustentar. Mas estava muito perigoso. A gente já tinha avisado", completou o operário. Os taludes são uma espécie de paredão que cerca a escavação de um terreno, com o objetivo de garantir a estabilidade da encosta.
Segundo o tenente Barcelos, do Corpo de Bombeiros, trincas e rachaduras dão indícios de problemas na edificação. "Profissionais ao perceberem essas alterações vão saber dizer se está sob controle ou se é algo emergencial. Se for algo grave, acionar os bombeiros ou a Defesa Civil para tomar as medidas necessárias", afirmou.
Ao Estado de Minas, ele explicou a dinâmica do acidente. O desabamento provocou uma espécie de 'cunha' -deslizamento condicionado por duas superfícies de ruptura- na base do talude, soterrando as vítimas. "É como se a parte do talude do barranco fosse retirada com uma colher, caindo pela gravidade e atingindo os operários", disse.
Rachadura é sinal de instabilidade, diz especialista
Especialista ouvido pelo Estado de Minas alerta que a presença de rachaduras em taludes, especialmente em forma de cuia, é sinal de grande instabilidade no terreno. "Ele dá sinais, vai trincar antes. Depende muito de quanto instável ele está, isso tem jeito de calcular", aponta o perito em engenharia e presidente do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de Minas Gerais (Ibape-MG), Clémenceau Chiabi Saliba Júnior.
"Eu entendo que a pessoa, muitas vezes, vê o talude movimentando e quer tentar sanar isso, mas, em uma situação de instabilidade, o recomendado é não ficar perto, é sair mesmo. É preferível ter uma perda material do que perda de vidas. É realmente uma situação que merece atenção", completa o especialista.
As chuvas dos últimos dias também podem ter contribuído para a instabilidade do terreno. "Quando chove a terra fica mais encharcada e mais suscetível ao deslizamento", aponta.
Com isso, o especialista estende o alerta para a população. "A mesma coisa vale para moradores de áreas de risco, começando agora o período chuvoso. Se perceber uma trinca no barranco, em forma de cunha, é preferível sair e preservar a vida. Se apareceu, não fica debaixo. A parte material depois a gente dá um jeito", alerta.
Risco de novos desabamentos
Apesar disso, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, a obra estava regular e com alvará ativo. "O comunicado de obra ocorreu em 14/9, sendo de responsabilidade do responsável técnico a estabilidade e demais assuntos referentes ao projeto e estrutura", disse por meio de nota.
A causa do acidente, no entanto, ainda será apurada pela Polícia Civil.
A obra foi interditada preventivamente depois de vistoria da Defesa Civil. Segundo o órgão, há risco de novos desabamentos no local. "Foi um acidente de trabalho. Aparentemente não há nada irregular. Mas, há risco de novos deslizamentos, considerando que o terreno está ainda em estado de vulnerabilidade", disse Marcos Vinícius Vitório, agente de proteção da Defesa Civil.
O desabamento
Segundo informações do Corpo de Bombeiros, o barranco desabou por volta das 8h, no momento em que funcionários faziam uma obra de sustentação da estrutura. Além da terra, havia muito minério de ferro, o que dificultou ainda mais o salvamento.
No local, era construída uma unidade do supermercado Verdemar. "Estava sendo feito um trabalho de fundação em um talude em 90 graus, sem escoramento. O terreno cedeu e soterrou os operários", explicou o tenente Felipe Biasebetti, do Corpo de Bombeiros.
Ao todo, quatro pessoas morreram soterradas após o desabamento: engenheira da obra, Juliana Angélica Menezes Veloso, de 30 anos, Rafael Pereira Barbosa, 35, Roberto Mauro da Silva, 55, e Zacarias Evangelista Fonseca, de 59 anos.
Um funcionário, de 23 anos, foi socorrido com uma das pernas quebradas e levado para o hospital Odilon Behrens.