Um dia após enterrar o irmão Zacarias Evangelista Fonseca, de 58 anos, Paulo Fonseca afirma que as famílias dos quatro funcionários mortos em deslizamento de uma obra do Supermercado Verdemar, no Bairro Belvedere, na terça-feira (17/10), estão se sentindo desamparados.
Ele diz que a construtora entrou em contato com as famílias e arcou com os custos do velório e do sepultamento. Porém, segundo ele, as empresas não estão dando o suporte necessário às famílias.
“Meu irmão faleceu trabalhando e está como se não fosse nada. Está tudo certo e vida que segue (para eles)”, desabafa.
Fonseca conta que as famílias estão acompanhando as investigações e esperando para ver se alguém entra em contato com eles, mas não descarta acionarem a justiça.
Ele afirma que, no dia do soterramento, alguns funcionários da obra relataram aos familiares das vítimas sobre a falta de segurança no local. “Mas estamos esperando as investigações para começar a agir. Não podemos fazer nada de cabeça quente ou precipitadamente”, conclui.
Além de Zacarias, morreram no deslizamento Rafael Pereira Barbosa, de 34 anos, Roberto Mauro da Silva, de 57, e a engenheira, Juliana Angélica Menezes Veloso, de 30 anos.
No mesmo dia do acidente, a Defesa Civil interditou a obra preventivamente por constatar risco de novos deslizamentos. A interdição continua, segundo o órgão, “até que o empreendedor adote providências para mitigar os riscos do local.”
Procurado pela reportagem, o Verdemar afirmou, em nota, que “está em contato com as autoridades responsáveis e respondendo a todas as solicitações que cabem à rede. Ainda não há uma previsão para retorno das obras.” Reforça ainda que segue dando toda a assistência à família das vítimas e ao colaborador que está hospitalizado.
Já a Polícia Civil disse que instaurou inquérito para apurar as circunstâncias e a causa do desmoronamento ocorrido. “A investigação encontra-se em andamento com as diligências necessárias à elucidação do fato.”
Direitos dos herdeiros
O advogado trabalhista Rodrigo Bedran afirma que o caso é considerado acidente de trabalho e tem repercussão nas esferas cível e criminal. “A criminal é para apurar se houve negligência, culpa ou dolo por parte da empresa. A empresa contrata uma outra especializada em segurança do trabalho. Todas as normas de segurança tem que ser seguidas. É preciso entender o que ocorreu. Por isso o relatório da Polícia Civil.”
Se for comprovada negligência, a empresa responde civilmente pelos danos, ou seja, a morte dos quatro funcionários. Os herdeiros podem ajuizar ação contra a empresa para pleitear as verbas rescisórias, levantamento do FGTS e eventual indenização pelas mortes, de acordo com Bedran. Essa indenização seria por danos morais. Os materiais seriam uma pensão. “Às vezes essa pessoa é um arrimo de família. O cálculo leva em consideração uma projeção da vida produtiva da pessoa e estima quanto tempo teria até o funcionário completar 75 anos.”
Funcionários ouvidos pelo Estado de Minas relatam problemas na obra. Um homem que preferiu não se identificar disse que funcionários já tinham alertado para o aparecimento de uma rachadura na base do talude semanas atrás. Mesmo assim, nenhuma medida foi tomada. "Foi uma tragédia anunciada. Não tinha segurança. O mestre e o engenheiro já tinham falado. Mas eles não ouviram a gente, não fizeram nada ali", lamentou.
Se ficar comprovado que a empresa tinha ciência dos problemas de segurança e não tomou providências, isso seria um fator de aumento de pena, na esfera criminal. “Seria um agravante, já que ela tem o dever e a responsabilidade. Tem os engenheiros inclusive responsáveis pela segurança. Estas pessoas responderiam”, explica o advogado.
Ele destaca que não existe uma obrigação legal da empresa de arcar com os custos de velório e sepultamento. “Mais pelo dever cívico de prestar um auxílio às famílias dos falecidos. Sem sombra de dúvidas é uma necessidade urgente não deixá-los desprovidos. Aquelas pessoas às vezes são responsáveis pelo sustento da família. É importante que a empresa se mobilize para tentar ver qual a demanda e pagar o quanto antes o que é devido.”
O advogado cita que é comum ter seguro de obra nesses casos. “A empresa deve disponibilizar essa apólice para que os familiares façam a solicitação do seguro.”
No âmbito trabalhista, são devidas nesse caso: verbas rescisórias (13°, férias, FGTS), além de indenização por danos morais aos herdeiros (esposa e filhos) que podem pedir também uma pensão seguindo o cálculo citado anteriormente.
“O inquérito da Polícia Civil pode determinar diligências e demorar. Independentemente da conclusão do delegado, os herdeiros podem ajuizar uma ação trabalhista. São ações totalmente independentes e uma não vincula a outra, inclusive. Mas pode servir como meio de prova.”
A ação trabalhista, portanto, poderia ser proposta imediatamente, embora o advogado recomende esperar a conclusão do inquérito. “É difícil falar sem a conclusão do inquérito. Ele vai determinar se houve culpa - negligência, imprudência ou imperícia. Esse relatório pode demorar.”
Garantir direitos das famílias
O soterramento dos funcionários na obra do Belvedere acende um alerta para acidentes de trabalho com mortes.
De acordo com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE-MG), em 2022, o Brasil registrou 612 mil acidentes de trabalho, com 2.538 mortes, uma média de uma morte a cada 3h40. Minas Gerais foi o segundo estado com maior número de registros de acidentes. Foram 63.812 notificações, atrás apenas de São Paulo.
Em BH foram registradas 54 ocorrências de acidente de trabalho com mortes no ano passado, um aumento de 285,71% em relação ao ano anterior, conforme dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, coordenado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Brasil.
O diretor de segurança do trabalho do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção de BH e Região (STIC-BH), Zildo Gomes, afirma que o sindicato não recebeu nenhuma denúncia a respeito da falta de segurança na obra do Verdemar. “Muitas vezes, o trabalhador faz a denúncia dentro da própria obra e os que ocupam cargo de chefia tem uma visão só de produção e acabam ignorando.”
Ele diz que representantes do STIC-BH estiveram em uma audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e participaram de reunião na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Minas Gerais (SRTE-MG) com representantes das empresas responsáveis pela obra. A intenção do sindicato é garantir que as empresas paguem pelas mortes, além de garantir os direitos dos familiares das vítimas.
“Qualquer explicação que derem não é cabível. Se tinha segurança, como teve acidente?”, questiona.
Gomes acredita que houve um descaso com uma parte crítica da obra. “Neste caso, entendemos que houve pressa, já que o supermercado deveria ser entregue em dezembro e a obra ainda está na parte da fundação. Percebemos que eles priorizam cronograma e esqueceram da segurança.”
O diretor de segurança alega também que quando o trabalhador está receoso de entrar em um determinado lugar, é muito comum a chefia provar que não tem perigo e se expor. “Como foi o caso da engenheira e do mestre de obras que chegaram muito próximo ao local. O mestre de obras não sofreu nenhum dano, mas ficou muito próximo de ser a sexta vítima.”