Dois ataques com mortes a escolas brasileiras neste mês – em Poços de Caldas, no Sul de Minas Gerais, no dia 10, e na capital paulista, na segunda-feira (23/10) – expõem a ponta mais trágica de uma realidade que ganha contornos alarmantes nas instituições de ensino e levanta uma questão ainda sem resposta: o que motiva um adolescente a planejar um ataque contra colegas e até mesmo professores? A questão é complexa, mas, em todas as discussões, o bullying – termo usado para definir uma prática sistemática e repetitiva de atos de violência física e psicológica, como humilhações e xingamentos – aparece como um ponto central do debate.
Segundo dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste ano, mais de 30% das escolas mineiras sinalizaram enfrentar problemas de bullying em seus espaços. A necessidade de dar cada vez mais espaço ao diálogo fez com que cada vez mais instituições do estado reforçassem políticas de combate a esse tipo de violência.
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'O que eu vi foi muito desesperador', diz aluno que viu ataque na escolaMG: Adolescente que fez ataque em escola já havia feito ameaça no InstagramJovem que realizou ataque em escola de Poços de Caldas já agrediu a mãeDepois de atingir a quarta vítima, o suspeito largou a faca e esperou ser contido por pessoas que estavam no local. O estudante L.W.S., de 14, morreu minutos após ser atingido. Outros dois adolescentes, da mesma idade, foram internados em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) da Santa Casa da cidade, passaram por cirurgias e tiveram alta na sexta-feira (20/10). A monitora sofreu ferimentos leves e recebeu alta dois dias depois do ataque. O autor foi internado em um centro socioeducativo na Região Central de Minas, até que se tenha uma decisão judicial.
Em São Paulo, onde um adolescente, de 16 anos, da Escola Estadual Sapopemba, no Jardim Sapopema, Zona Leste da cidade, matou uma aluna e feriu duas na manhã de segunda-feira as investigações apontam na mesma direção: o jovem, que usou uma arma de fogo dos pais no ataque, era alvo frequente de agressões praticadas por outros estudantes.
O bullying praticado hoje pode resultar em consequências trágicas a médio e longo prazo, como ocorreu no início deste ano, quando ameaças e boatos de ataques em escolas espalharam medo entre alunos e professores de todo o país. Em um único dia, em 21 de abril, 12 jovens foram alvos da Polícia Civil por suspeita de envolvimento em ameaças de violência contra escolas em municípios mineiros.
Na ocasião, dois adolescentes, de 14 e 15 anos, foram apreendidos em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Eles planejavam explodir a tubulação de gás da cozinha de uma instituição de ensino e assim causar uma reação em cadeia no prédio. No mesmo período, Contagem teve duas ameaças de massacre em escolas em um intervalo de apenas dez dias. Quase quatro meses depois, a Polícia Civil cumpriu um mandado de busca e apreensão na casa de um adolescente, de 14 anos, em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, suspeito de integrar um grupo que planejava massacres em escolas do Brasil.
TRAGÉDIAS
Problema crescente no país, as ocorrências de violências em escolas brasileiras contabilizaram 23 ataques de alunos e ex-alunos, nas últimas duas décadas, conforme dados do 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho deste ano, e que, portanto, não incluem os casos de Poços e de São Paulo. Foram 12 episódios em escolas estaduais, seis em unidades municipais, um em escola cívico-militar municipal, e quatro em estabelecimentos particulares.
As mortes chegam a 36: 24 estudantes, cinco professoras, outros dois profissionais de educação e cinco alunos e ex-alunos responsáveis pelos ataques. Em 2023, somente no primeiro semestre, foram sete ataques, conforme apurado pela reportagem do Estado de Minas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que os jovens podem ficar internados por até três anos. Por se tratar de casos envolvendo menores de idade, as investigações dos casos mais recentes, registrados em Minas Gerais, seguem sob sigilo.
O Brasil é um dos países com maiores índices de violência escolar, sobretudo pelo bullying. Geralmente são agressões verbais, físicas e psicológicas que humilham, intimidam e traumatizam as vítimas. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), lançada no ano passado, um percentual superior a 40% de estudantes adolescentes entrevistados admitiu ao Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) já ter sofrido bullying, conforme levantamento feito em 2019 e divulgado neste ano. Em 2009, a parcela para essa resposta, na mesma pesquisa, era de 30,9%. O problema ocorre tanto em escolas públicas quanto nas particulares.
PROBLEMA COMPLEXO
Especialistas são categóricos em afirmar que não há como simplificar o problema e resumi-lo a uma única causa. "Não existe apenas um culpado. Muitos estudantes passam por isso e não se tornam violentos. Esse não é o tipo de crime que está associado apenas a uma decisão individual”, afirma o sociólogo Luís Flávio Sapori, especialista em segurança pública. A explosão desses ataques é uma questão multifatorial, reflexo de uma cultura da violência e discursos de ódio, potencializados, nos últimos anos, pelo acesso irrestrito dos jovens à internet.
Fato é que discursos violentos podem ser intensificados quando conseguem atingir pessoas que sofrem bullying ou se sentem excluídas da sociedade. Sapori avalia que o bullying não pode ser julgado como o centro do problema, mas deve ser considerado sob o ponto de vista preventivo. As escolas e os responsáveis pelas crianças e adolescentes devem prestar atenção aos sinais.
Fato é que discursos violentos podem ser intensificados quando conseguem atingir pessoas que sofrem bullying ou se sentem excluídas da sociedade. Sapori avalia que o bullying não pode ser julgado como o centro do problema, mas deve ser considerado sob o ponto de vista preventivo. As escolas e os responsáveis pelas crianças e adolescentes devem prestar atenção aos sinais.
ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA
Partindo da premissa de que as agressões físicas e psicológicas, além de desumanas, inibem o aprendizado e sufocam potencialidades, escolas em Minas Gerais têm reforçado políticas de combate ao bullying. Éo caso de uma unidade do Colégio Santo Agostinho, em Belo Horizonte, onde os alunos integram o chamado “Programa de Convivência Ética”. Um grupo de estudantes acolhe os colegas para auxiliá-los na resolução de conflitos. “Eles têm condição de prestar ajuda já que conhecem os colegas e podem compreender e valorizar as diferenças. Não há boa convivência se os alunos não forem os protagonistas”, pontuou a coordenadora do programa, Rosália Campos.
A aluna do 7º ano Maria Eduarda Belém Costa conta que foi eleita para ser membro da equipe de ajuda no ano passado e, desde então, tem vivido uma “experiência incrível”. “Desde a infância tenho o desejo de ajudar as pessoas. Acho que isso me torna uma pessoa melhor a cada dia”, contou.
Iniciativas semelhantes também têm sido adotadas na rede pública. O município de Contagem desenvolveu um programa para acompanhar os alunos das escolas de sua rede. O projeto-piloto, chamado "Juventude Cidadã", está sendo aplicado em fase inicial na Escola Municipal José Silvino Diniz, no Bairro Solar do Madeira, Região de Petrolândia. A iniciativa recebe alunos indicados pela direção das escolas e, por meio de ações pedagógicas, orienta a promoção do respeito e cidadania, a fim de torná-los multiplicadores no ambiente escolar.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) disse considerar qu deu passos importantes para o fortalecimento das ações de prevenção das violências. Entre as ações, citou monitoramento e maior rigor de acesso às instituições de ensino estaduais. Hoje, todas as 3,4 mil escolas estaduais de Minas Gerais têm câmera e alarme. O Protocolo de Acesso e Segurança para as Instituições Escolares de Minas Gerais, lançado em abril, foi implementado em todas as escolas da rede estadual, exigindo a identificação e autorização para o acesso de visitantes nas instituições de ensino.
A escalada de violências nas salas de aula preocupa a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e leva o comando da instituição a promover um seminário para melhor proteção dos estabelecimentos de ensino no estado. O primeiro passo está na publicação de um edital para contratação da empresa responsável pela organização do evento denominado Seminário de Proteção Escolar. O edital põe em pauta a contratação da empresa organizadora do evento, ainda sem data para acontecer. Conforme o edital publicado diário oficial Minas Gerais, a sessão de lances ocorrerá no próximo dia 31, às 10h.
PM prepara seminário
A escalada de violências nas salas de aula preocupa a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) e leva o comando da instituição a promover um seminário para melhor proteção dos estabelecimentos de ensino no estado. O primeiro passo está na publicação de um edital para contratação da empresa responsável pela organização do evento denominado Seminário de Proteção Escolar. O edital põe em pauta a contratação da empresa organizadora do evento, ainda sem data para acontecer. Conforme o edital publicado diário oficial Minas Gerais, a sessão de lances ocorrerá no próximo dia 31, às 10h.