Segundo o Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural (CDPCM-BH), a Feira Hippie começou na capital mineira em novembro de 1969, quando alguns críticos de arte, estudantes e professores ligados às artes plásticas tiveram a ideia de expor seus trabalhos na Praça da Liberdade. O objetivo principal desse grupo era movimentar o ambiente artístico da capital, levando arte à população.
A feira foi muito bem recebida pelo público que ia até a Praça da Liberdade para ver os quadros, encontrar os amigos, comprar artesanato e outros produtos. Em 1971, devido ao sucesso, o governo estadual decidiu transformar o evento em uma feira permanente e semanal.
Com o passar dos anos, a Feira Hippie foi crescendo e ganhando outros significados em meio à dinâmica da capital. Com a popularização do evento, artistas já consagrados foram deixando a feira e, ao mesmo tempo, outras pessoas reivindicavam o direito de expor seus produtos e o artesanato passou a ocupar um lugar maior no evento.
O público comum, que buscava alternativas de lazer e de consumo de produtos de menor preço, foi aumentando - o que fez com que a feira ganhasse um sentido econômico além do cultural. Com isso, em 1973, há 50 anos, a Prefeitura de Belo Horizonte assumiu a organização da Feira Hippie.
De acordo com o decreto de criação oficial da Feira, ela teria dois objetivos básicos: "a proteção do patrimônio artístico e cultural" da cidade e o desenvolvimento econômico, baseado na "possibilidade dos artistas e artesãos explorarem e comercializarem suas obras e produções".
Fonte de renda
Além de ser um ponto de encontro e de lazer para a população, a Feira é uma importante fonte de renda para muitas famílias. A PBH estima que o evento possui cerca de 1.800 expositores, sendo que 80% prestam serviços há mais de 10 anos.
É o caso do vendedor de cocada e doces Gismar José Gomes, de 48 anos. A família dele expõe na feira há 45 anos e o plano dele é continuar com a barraca pelas próximas gerações.
“A feira sustenta a família. Passamos a semana toda nos preparando para estar na Afonso Pena aos domingos”.
Edson Frade, de 65 anos, expõe na Feira desde o início. Ele começou com uma barraca de quadros e pinturas aos 13 anos, antes de a PBH assumir a organização do evento. Hoje, vende bijuterias.
“Me orgulho muito da feira. Não abandono nunca, só quando for para o céu. O sustento da família é todo da feira, toda a vida foi assim. A feira ajuda a gente até hoje. Mesmo eu não vendendo, a feira no domingo faz diferença para mim. Se eu ficar em casa no domingo, eu sei que está faltando alguma coisa”.
A Feira é mais que o comércio para Joel dos Santos, de 70 anos, que vai à Feira Hippie para conversar e ver velhos amigos. Há 40 anos, ele expõe colares feitos a mão todo domingo, mesmo não dependendo mais do dinheiro das vendas.
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“Hoje em dia, a minha produção artesanal é para presentear em ocasiões especiais e para não perder a habilidade. Há muito tempo que eu não faço artesanato para vender na feira. Venho e virei à feira até o último momento pela convivência. Estou aqui desde 1983. Não vou parar de conviver com pessoas que eu conheço desde 1983 só porque eu não preciso mais do dinheiro que eu ganho aqui”.
Novo formato
O prefeito da capital, Fuad Noman, visitou a feira na manhã de hoje para comemorar os 50 anos do evento. Em entrevista, Noman disse que a mudança recente do layout da feira já está mostrando resultados.
O novo formato, votado a partir de processo participativo com os representantes dos feirantes na Comissão Paritária da feira, destina mais espaço entre as barracas para circulação de feirantes e frequentadores. Além disso, a feira agora foi estendida até a Praça Sete.
“Estou muito feliz de ver a feira totalmente remodelada. Estou vendo as pessoas trabalhando felizes, mostrando que estão vendendo mais, estou vendo muitos turistas. Isso que precisamos em Belo Horizonte, trazer mais pessoas para o centro. O projeto ‘Centro de Todo Mundo’ é exatamente isso, atrair pessoas para o centro”.
Fuad ainda enfatizou os principais objetivos da feira e afirmou que o evento está cumprindo muito bem com o papel. “As pessoas estão aqui para comprar, se divertir, passear. Quem não conhece a feira de Belo Horizonte precisa vir conhecer a feira totalmente remodelada”.
A mudança de layout foi aprovada pela turista Vilma Nascimento, 51 anos. Natural do Pará, ela vem para Belo Horizonte ao menos três vezes por ano para visitar a família e, sempre que possível, vai para a Feira Hippie. Na manhã deste domingo, Vilma aproveitou o calor com a irmã e os dois filhos nas barraquinhas de alimentação.
No início de outubro, a feira passou a ter cadeiras e mesas na área reservada para alimentação. A secretária adjunta da Secretaria Municipal de Política Urbana, Lívia Monteiro, destacou a importância da mudança. “Com esta alteração, a área de alimentação se torna mais especial, trazendo mais conforto aos usuários e proporcionando mais uma alternativa de encontro dos belo-horizontinos e visitantes nesta feira tão diversa”, aponta.
Mudanças
Em 1991, a feira foi transferida definitivamente para a Avenida Afonso Pena, no Centro da capital. A mudança de ponto foi necessária devido à quantidade de visitantes. A Praça da Liberdade ficou pequena para o público, além do risco de degradação ambiental.
Edson Frade lembra da mudança de local e fala que, para os expositores, não foi um bom negócio. “Quando era na Praça da Liberdade, não tinha concorrência. Era uma feira para ninguém colocar defeito”.
Para Joel, a mudança foi muito além do local. O vendedor apontou que a própria clientela deixou de consumir material 100% artesanal. “O consumidor passou a aceitar o material misto. A produção do material 100% artesanal é mais lenta e, às vezes, a pessoa pede a mudança de algum acabamento. Para mim, a principal mudança, para melhor, foi essa aceitação”.
De acordo com o CDPCM, a feira é frequentemente tema de debate e preocupação entre os feirantes devido ao aumento de venda de produtos industrializados, principalmente de origem chinesa, o que descaracteriza a vocação cultural do evento, além de gerar uma concorrência desleal. Há registro de reclamações e denúncias sobre o tema desde a década de 1990.
O vendedor de colares Edmilson Luciano de Oliveira, de 47 anos, acha que há espaço para todos na feira. Segundo ele, a venda de produtos chineses na feira é algo normal em 2023, devido à globalização.
“A feira tem 50 anos. Se a fiscalização for atuar visando a feira de 30 anos atrás, muita coisa estará diferente. Se for colocar apenas artesanato, a feira acaba. A presença de produtos industrializados é algo que precisa ser mais aceito e incorporado ao evento”.
Em entrevista, o secretário municipal de Política Urbana, João Fleury, afirmou que a secretaria está trabalhando há quase dois anos para que a Feira Hippie seja cada vez mais uma feira de artesanato.
“A Feira Hippie é conhecida mundialmente como uma feira de artesanato. Estamos trabalhando junto aos feirantes para que ela seja cada vez mais reconhecida pelo artesanato e aqueles que não se adaptarem vão ser retirados para que a gente tenha o artesanato como o foco principal”.
A feira
Atualmente a Feira Hippie ocupa uma área de aproximadamente 45 mil metros quadrados e recebe em média 60 mil visitantes a cada domingo, tendo um público estimado de 10 mil visitantes em horário pico. O evento é uma referência turística da capital, espaço de manifestações artísticas e culturais. Além disso, é uma das maiores feiras livres em área aberta da América Latina.