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Estado de Minas DIA DE FINADOS

Sempre vivos na memória

Esculturas, jardins, árvores e livros mantidos com carinho e dedicação reverenciam pais, filhos, maridos e mulheres que já se foram, mas jamais serão esquecidos


02/11/2023 04:00 - atualizado 02/11/2023 00:16
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Luciomar e a escultura do filho
O artista Luciomar com uma das esculturas que homenageiam o filho perdido há 20 anos: "Com ele aprendi uma importante lição de vida" (foto: JAIR AMARAL/EM/D.A PRESS)


As mãos talentosas recriam a face do filho, a água das lembranças rega o jardim da família, enquanto a árvore se ilumina com as flores da primavera. Tempo de reverenciar a memória dos que partiram do mundo físico, o Dia de Finados, hoje, abre também as portas para as histórias de mineiros, que, com criatividade, afeto e saudade, homenageiam pai, filho, marido, mulher e outros entes queridos.

“A dor é a mesma, mas, por meio da arte, consigo estar sempre próximo do meu filho e perpetuar sua imagem”, conta o escultor Luciomar Sebastião de Jesus, morador de Congonhas, na Região Central de Minas. Ontem (1º/11), fez 20 anos que Lucas Maciel Severino de Jesus morreu aos 2 anos e 5 meses, vítima de câncer. O calvário do menino, entre internações, sessões de quimioterapia e transferências de urgência para um hospital de Belo Horizonte, durou seis meses, mas, sereno e com os olhos brilhando, Luciomar conta que “foi um processo doloroso e gratificante”.

No ateliê do artista e pesquisador da história tricentenária de Congonhas, perto da Basílica do Bom Jesus de Matosinhos, há muitas peças esculpidas ao longo dos anos. Porém, duas chamam a atenção: o busto de Felipe Gabriel, em bronze, sob um pilar, e outro em andamento, modelado em massa de plastilina. Em ambos os trabalhos, o menino está sem os cabelos devido à quimioterapia.
 
Manoel Aloísio
O viúvo MANOEL ALOÍSIO rega o jardim plantado por dona Wanda (foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
 
Retirando de uma gaveta o folheto da missa de sétimo dia do filho, Luciomar mostra o retrato do menino e a poesia que escreveu para ser lida durante a celebração eucarística. “Muitas vezes, os anjos se fazem mortais. E descem do céu. Sem asas. Sem auréolas ou quaisquer atributos. Próprios de quem é do alto.”

Após ler um trecho da poesia, Luciomar explica que as peças são estudos feitos ao longo dos últimos anos, no intervalo dos trabalhos no ateliê. “A homenagem que presto ao Lucas não tem nada de mórbido. Com ele, aprendi uma importante lição de vida, um aprendizado de fé. Por ele, faria tudo de novo, ficaria noites sem dormir velando pela sua saúde”, afirma o artista casado com Vanda Maria e pai de Felipe e Gabriel. Passados 20 anos da morte do filho, Luciomar tem a certeza de que foi merecedor de “um presente de fé” e está certo de que a convivência com o menino, “que era canhoto e já demonstrava jeito para escultor, pela forma com pegava nas ferramentas”, revivem na memória com alegria.
 

Memória afetiva 

Já no Bairro Vera Cruz, na Região Leste de Belo Horizonte, as lembranças povoam o jardim criado por dona Wanda Mercês da Silva, falecida em 21 de setembro de 2014, “na véspera da primavera, faltando três dias para completar 81 anos”, conforme recorda o quinto dos seis filhos, o padre Mauro Luiz da Silva.

“Ela plantou o ipê-amarelo, as azaleias, as árvores frutíferas. Tudo o que está neste espaço foi feito por minha mãe e nos traz boas recordações. Por isso, nós o preservamos com carinho. Nos primeiros meses, confesso que o jardim ficou meio esquecido, quase abandonado. Mas, com o tempo, vimos que preservá-lo seria a melhor de homenagear nossa mãe e sobreviver à perda. Eu, particularmente, me considero aprendiz de uma jardineira.”
Mauro Luiz e sua mãe
O padre Mauro Luiz da Silva com a mãe: "Ela revive a todo momento em nosso coração" (foto: arquivo pessoal)

À frente da Capelania dos Reinados Negros da Arquidiocese de BH e curador do Muquifu – Museu dos Quilombos e Favelas Urbanos, no Morro do Papagaio (Barragem Santa Lúcia), na Região Centro-Sul, padre Mauro ficou satisfeito quando a comunidade local batizou o jardim do Muquifu com o nome de dona Wanda, “que é nome de orquídea”, destaca. “Assim, ela revive a todo momento em nosso coração.”

Na manhã quente e ensolarada de sábado, o viúvo Manoel Aloísio da Silva, prestes a completar 89 anos, regava as memórias familiares com um gesto afetuoso e necessário para a vida das flores, folhagens e frutíferas: um banho no reino vegetal. “Cuidando do jardim, fazemos Wanda feliz onde ela estiver”, disse ‘seu’ Manoel. O jardim abriga, além do ipê-amarelo que marca essa história, os pés de amora, acerola, pitanga, limão. “Veja ali, uma jabuticabeira pequena e o pinheiro para árvore de Natal”, aponta o aposentado.

Outra homenagem familiar se encontra no quarto do filho do casal, Rogério, que morreu, aos 60, há quatro anos. “Ele gostava muito de ler. Comprava livros e devorava. Por isso, sua estante particular virou uma biblioteca. Amigos, irmãos, sobrinhos e demais pessoas da família chegam, pegam o que querem, depois colocam no mesmo lugar. Vivemos momentos sem tristeza e sofrimento”, revela padre Mauro, ao lado dos irmãos Sérgio, Ricardo, Cláudio e Jaqueline.

ÁRVORE DA VIDA

Já no Bairro Padre Eustáquio, na Região Noroeste da capital, uma árvore toda florida renova as energias e fortalece as recordações da enfermeira e servidora pública federal aposentada Betty Ramos Pereira, “de 82 anos e meio”, conforme revela bem humorada. No prédio onde reside, há uma acácia da qual cuida com amor filial. “Foi plantada pelo meu pai. Como ele não está mais neste mundo, eu a preservo muito bem”, diz Betty, natural de Santa Bárbara, na Região Central de Minas.

Olhando o retrato do pai, José Luciano de Souza, falecido em 2002, aos 87 anos, Betty conta que ele morreu sem ver a árvore florir pela primeira vez. “Mas cada vez que olho para uma flor, me lembro dele, que era da maçonaria e dizia que a acácia é o símbolo dessa organização fraterna.”

Cheia de vitalidade, devota de Padre Eustáquio e sempre disposta a viajar, a enfermeira gosta de explicar a razão do seu nome. “As pessoas pensam que me chamo Elizabeth, mas o Betty foi dado pelo meu pai, ferroviário da antiga Central do Brasil. Uma vez, me disse que tinha visto esse nome e gostado. Muito tempo depois, pesquisando, encontrei uma atriz, da década de 1940, a Betty Grable (1916-1973). Então, trago o nome de estrela de Hollywood”, brinca a mineira, que tem três filhos, sete netos e duas bisnetas.

Durante a enfermidade do pai, diagnosticada quando ele estava com 80 anos, Betty o acolheu em casa e acompanhou todo seu tratamento. “Ainda viveu sete anos, comigo. Na vida, foi meu pai, minha mãe, meu amigo... foi tudo para mim. Então, cuido dessa árvore como cuidei dele, graças a Deus”. n
 
Placa no jardim
(foto: Gustavo Werneck/EM/D.A Press)
 

Flores no jardim das lembranças

“Minha mãe faleceu dois meses antes do Natal, a festa que ela mais gostava. De 24 para 25 de dezembro, fazia questão da casa cheia, família reunida, amigos chegando para a ceia, netos na procissão, ao longo do corredor, para levar o Menino Jesus à manjedoura. Então, como seria a celebração do Natal, naquele ano, sem dona Ephigenia e com os sete filhos de coração dilacerado? Pensa daqui, junta os ‘cacos’ dali, e veio a ideia de homenageá-la e ao ‘seu’ Werneck, nosso pai, falecido em 1980, com uma placa, no jardim (foto). O retrato escolhido foi o do casamento, o registro da juventude deles, o tempo que não conhecemos. Acredita que deu certo? O que poderia ser baixo-astral se transformou em grande alegria, com muita gente, palavras emocionadas, canto das Pastorinhas, abraços. Assim, a dor virou lembrança boa, e tem sempre flor para homenagear  ‘o vovô Werneck e a vovó Nena’, como dizem os da nova geração.” (GW) 
 
 


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