Jornal Estado de Minas

Após protestos, jovens no Egito criam call center para ajudar vítimas

"Sentimos que famílias precisavam de ajuda", diz coordenadora do grupo - Foto: Tariq Saleh/BBC Brasil

Após fazer parte dos protestos pró-democracia que culminaram com a renúncia do então presidente Hosni Mubarak, um grupo de jovens egípcios organizou um centro para vítimas, em um local secreto, para buscar informações de mortos, feridos e desaparecidos. Segundo o grupo, a ideia surgiu quando muitos deles se conheceram ainda na praça Tahrir, no centro do Cairo, em que se concentraram as manifestações contra o governo de Mubarak.

Não há um número total de jovens voluntários porque mais chegam para ajudar. A maioria tem nível superior e vem das classes média e alta. Vários pertencem a diferentes grupos ativistas e se revezam para coletar informações de vítimas e colocar em um banco de dados.

Uma das coordenadoras dos trabalhos, Nehal M., assistente de pesquisa de uma organização feminista, disse à BBC Brasil que, logo após a renúncia de Mubarak, vários jovens na praça trocaram ideias para montar um call center e, além de coletar o número de vítimas, dar assistência a pessoas feridas e ajudar na busca por desaparecidos. “Sentimos que muitos dos mortos, feridos e desaparecidos eram de famílias mais humildes, que precisavam de ajuda. E sabíamos que a lista de mortos e feridos do governo não era verdadeira. Então decidimos fazer algo.”

Ela contou que uma senhora de classe alta ofereceu seu apartamento espaçoso para a montagem da central de dados e ajuda. Integrantes do grupo foram trazendo computadores e impressoras. “Essa mulher foi tão doce e também vem trazendo comida para as pessoas que estão aqui”, disse Nehal, explicando que o local não foi divulgado por razões de segurança.

Segundo ela, cada jovem convidou outros para serem voluntários através do Facebook, mensagens de texto e e-mails. “Emissoras de TV independentes divulgaram nosso número já no sábado (dia 12) e no domingo iniciamos os trabalhos. A todo momento chegam mais pessoas com vontade de ajudar.”

Ajuda

Nehal explicou que uma operadora de telefonia celular doou telefones e linhas com créditos ilimitados para que fossem usados nos trabalhos. Os jovens se dividiram em três turnos para manter o call center funcionando 24 horas por dia.

Pessoas telefonam para deixar o nome, endereço e um número de contato. Em seguida, segundo Nehal, um voluntário liga de volta para coletar os dados. Caso a pessoa esteja ferida, o grupo tenta encaminhá-la para médicos voluntários ou hospitais privados que se dispuserem a tratá-la gratuitamente. “Algumas vezes, pessoas ligam para informar que um vizinho foi morto ou ferido nos protestos e precisa de ajuda. Há um clima muito grande de solidariedade”, disse.

Na mesa central, um grupo trabalhava sem parar, anotando dados em planilhas para serem cadastradas em um banco de dados central. Entre eles estava a diretora-assistente de cinema Nadine Salib, que entre uma ligação e outra conseguiu falar com a BBC Brasil.

Ela contou que está no local desde o último domingo e que estava sem dormir havia várias horas. A todo momento o telefone tocava e ela atendia para anotar dados de pessoas. “Eu faço isso porque há pessoas que precisam de assistência. Nos próximos dias não irei trabalhar porque isto aqui é mais importante”, declarou Nadine. “Cada pessoa aqui está fazendo a diferença. Assim como nos protestos, tudo aqui está sendo feito de forma espontânea. As pessoas querem ajudar, ser solidárias.”

Segundo ela, as pessoas que foram mortas, feridas ou estão desaparecidas são os "verdadeiros heróis' e que, sem eles, “não teria sido possível derrubar o regime” de Mubarak.

Números

Nehal disse que ainda não foi feito um levantamento final do número de vítimas, mas, pela “quantidade de ligações deverá ser bem acima dos números do governo”. “Estamos na fase de inserir todos os dados no computador e dar assistência médica e apoio aos que estão feridos. Depois fecharemos os números finais”, explicou ela.

Nos primeiros dos 18 dias de protestos antigoverno, tropas da polícia reprimiram violentamente os manifestantes. Houve também confrontos entre simpatizantes de Mubarak e os ativistas acampados na praça Tahrir. A organização internacional Human Rights Watch chegou a acusar o governo de esconder o total de vítimas e feridos. Segundo a entidade, mais de 300 pessoas morreram e ao menos 2 mil ficaram feridas nos choques entre manifestantes e polícia. O governo egípcio rejeitou o relatório da HRW.