O regime do coronel líbio Muamar Kadhafi, no poder há 41 anos, lançou nesta segunda-feira uma feroz repressão para tentar sufocar uma rebelião que tomou o controle de várias cidades e provocou deserção no seio do governo.
A televisão estatal anunciou uma operação das forças de segurança "contra os sabotadores e os que semeiam o terror", durante a qual "várias pessoas morreram", sem informar o local dos confrontos ou o número de falecidos.
Moradores de Trípoli, onde no domingo foram registrados ataques contra meios de comunicação e prédios oficiais, denunciaram um "massacre" nos bairros de Tayura e Fashlum, da capital.
O filho de Kadhafi, Saif al Islam, havia intimado poucas horas antes os líbios a acabar com a rebelião.
"Dirijo-me a vocês pela última vez antes de recorrer às armas", disse Al Islam, antes de advertir que a Líbia não é "Tunísia nem Egito", em referência às revoluções que provocaram nestes países nas últimas semanas a queda de outros regimes autoritários.
Até 400 mortos
A estimativa de mortos desde o início da revolta, do dia 15 de fevereiro até as primeiras horas desta segunda-feira, ia de 230 (segundo a Human Rights Watch) a cerca de 300 a 400 (segundo a Federação Internacional de Direitos Humanos).
Em Tobruk, perto da fronteira com o Egito, dez egípcios morreram baleados por "grupos armados de mercenários líbios", indicou à AFP um médico egípcio, citando compatriotas que fugiram do país em conflito.
No outro extremo do país, tunisianos que deixaram a Líbia informaram à AFP que os policiais de Zauia haviam desertado e que esta região, a 60 km a oeste de Tripoli, estava mergulhada no caos.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, instou Kadhafi em uma conversa por telefone a "cessar imediatamente" a violência, informou o porta-voz de Ban, Martin Nesirky.
E o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, urgiu as autoridades líbias a pôr fim à repressão contra civis desarmados e a responder às "aspirações" legítimas da população a uma mudança democrática.
Saques
O filho de Kadhafi reconheceu nesta segunda-feira que em Benghazi (leste) "os tanques se deslocam conduzidos por civis" e que em Al-Baida (leste) "as pessoas estão armadas de fuzis e diversos depósitos de munições foram saqueados".
Os confrontos chegaram no domingo à capital, onde a multidão saqueou as instalações de uma rede de televisão e de uma rádio públicas e incendiou delegacias e prédios do governo.
Discórdia dentro do regime
A rebelião provocou discórdia na cúpula do regime: o ministro da Justiça, Mustafá Abdel Yalil, renunciou ao cargo para protestar contra "o uso excessivo da força" na repressão aos protestos, e pelo menos três diplomatas líbios no exterior fizeram o mesmo desde domingo.
Kadhafi não fez nenhuma declaração pública desde o início dos protestos, e nesta segunda-feira o ministro britânico das Relações Exteriores, William Hague, disse em Bruxelas que o coronel líbio poderia ter fugido de seu país e ido para a Venezuela, embora as autoridades venezuelanas tenham desmentido esta versão.
As embaixadas europeias na Líbia "estão coordenando" desde domingo à noite "a saída dos cidadãos europeus que assim o desejarem", explicou a ministra espanhola de Relações Exteriores, Trinidad Jiménez, ao término de uma reunião com representantes da União Europeia (UE) em Bruxelas.
Os Estados Unidos ordenaram a todo o seu pessoal não essencial a abandonar a Líbia e advertiram aos cidadãos americanos que evitem viajar a este país.
A situação na Líbia, um país produtor de petróleo, aumentou os temores sobre o abastecimento, fazendo o barril ser negociado nesta segunda-feira acima dos 105 dólares em Londres, pela primeira vez desde setembro de 2008.
As bolsas europeias registraram baixas importantes, que chegaram a 3,59% em Milão, como consequência da revolta de um dos maiores sócios comerciais da Itália no setor do petróleo e bancário.
A agência de classificação de riscos Fitch rebaixou, por sua vez, em um grau a nota da dívida soberana da Líbia, de BBB+ a BBB, devido à "crescente revolta popular" contra o regime de Kadhafi.