O ditador da Líbia, Muamar Kadhafi, estava nesta quarta-feira sitiado por uma rebelião que já controla o leste do país e pela pressão internacional para que se abstenha de desencadear um novo banho de sangue para tentar salvar seu regime. A insurreição parecia solidamente implantada em Cirenaica, região que representa aproximadamente um terço da Líbia e possui abundantes recursos petrolíferos, informaram correspondentes da AFP e moradores do local. Repórteres da AFP avistaram rebeldes armados e soldados que se somaram à causa dos insurgentes na estrada que vai da fronteira egípcia a Tobruk. "Cirenaica não está mais sob o controle do governo líbio e há confrontos e violência em todo o país", sintetizou pela manhã, em Roma, o chanceler italiano, Franco Frattini. O vice-chanceler líbio, Jaled Kaim, afirmou, em reunião com embaixadores europeus que a rede islamita Al-Qaeda havia fundado em Derna (leste) um emirado islâmico, dirigido por um ex-detento de Guantánamo (a prisão para acusados de terrorismo estabelecida pelos EUA na base de mesmo nome, situada na ilha de Cuba). A repressão ao levantamento popular deixou 640 mortos desde o início, no dia 15 de fevereiro, segundo dados divulgados em Paris pela Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH). Também em Paris, um médico francês que acaba de voltar de Benghazi (leste da Líbia) estimou nesta quarta-feira que os confrontos na cidade fizeram "mais de 2.000 mortos". Uma de suas colegas disse à AFP ter recebido, no hospital em que trabalhavam, na cidade, dezenas de feridos, entre quinta-feira e domingo. O número oficial de vítimas chegava nesta terça a 300 mortos, 111 deles militares. Na terça-feira, Kadhafi, o "Guia da revolução" ordenou a suas tropas esmagar a rebelião, conclamando seus seguidores a sair nesta quarta-feira às ruas para expressar apoio e "capturar os ratos" que buscam derrubar a "Jamahiriya" (república de massas) Árabe Popular e Socialista. A convocação foi acatada apenas por poucas dezenas de manifestantes em Trípoli. Sob uma chuva torrencial, os simpatizantes do regime levavam bandeiras verdes e retratos de seu líder, enquanto várias dezenas de veículos passavam pelo local acionando as buzinas. As lojas da capital ficaram fechadas, formando-se longas filas diante das poucas padarias abertas e nos postos de gasolina. A insurreição obrigou, além disso, ao fechamento de todos os portos líbios, bloqueando a exportação de derivados de petróleo deste país, membro da Opep (Organização de Países Exportadores de Petróleo), informou a companhia marítima francesa CMA-CGM. O barril do petróleo Brent superou nesta quarta-feira os 110 dólares em Londres, a maior cotação desde setembro de 2008. Kadhafi também enfrenta uma onda de demissões de diplomatas e funcionários de alto escalão. A crise líbia poderá desencadear um êxodo de proporções bíblicas, advertiu o ministro italiano das Relações Exteriores. O Crescente Vermelho (equivalente à Cruz Vermelha) alertou também para o "risco catastrófico" do êxodo em massa de líbios para a Tunísia, por via terrestre.