As regiões a leste do Japão guardam as marcas provocadas por um terremoto ocorrido em 1923. O tremor, de 7,9 graus de magnitude na escala Richter, era considerado o maior do país até a última sexta-feira. Mas as lembranças de um antigo atracadouro de barcos, tal como ficou depois da destruição na década de 1920, vão além da fenda nas estruturas de concreto, das edificações destruídas e dos postes inclinados. A partir da tragédia que matou mais de 140 mil pessoas, o Japão aprendeu a lidar com os constantes tremores de terra e modernizou as técnicas de engenharia de construções e o comportamento das gerações seguintes. Se não fosse por isso, o terremoto e o tsunami que atingiram a costa nordeste seriam ainda mais devastadores.
Após o abalo de 1º de setembro de 1923, que destruiu Yokohama e metade de Tóquio, a região — que vivia um processo de remodelação urbana com tendência à construção de edifícios no estilo ocidental em alvenaria — teve de ser reconstruída. E não só os prédios foram refeitos, mas a mentalidade do povo. O professor do departamento de História da Universidade de Hong Kong, Charles Schencking, explicou que, depois do tremor de 1923, o Japão não se curvou à calamidade. E profissionais de vários ramos, como urbanistas, advogados e engenheiros, encabeçaram um movimento para a transformação de Tóquio em cidade do futuro. “Os japoneses transformaram a tragédia em oportunidade”, escreveu ao Correio, por e-mail.
Assim, os japoneses entenderam que a modernização do país deveria ser feita de acordo com as condições ambientais do país, não apenas copiando o modelo ocidental. Era preciso, então, criar uma tecnologia de construção capaz de amenizar os estragos dos abalos sísmicos e vender o know-how para povos em situações semelhantes. A tecnologia é hoje vendida, por exemplo, para as cidades costeiras da Califórnia, nos Estados Unidos. “As estruturas reforçadas e a tendência de amortecer as ondas de choque de forma que elas não atinjam a estrutura dos edifícios e que as molas absorvam esse impacto são o aprimoramento da técnica de engenharia para locais com sismos, tanto que quase todas as mortes no Japão foram pelo tsunami, não por causa do abalo”, disse o diretor do departamento de Engenharia da Universidade Católica de Brasília, Marcelo Gonçalves Resende.
Regras
Os avanços e a normatização das construções no Japão começaram em 1926. Três anos depois do terremoto, foi criado o primeiro código de edificações voltado para construções mais seguras. O último é o de 1981: prescreve o uso do concreto reforçado e de colunas de aço. Edifícios com mais de 60 metros de altura precisam de autorização do Ministério das Construções, que verifica as condições de segurança.
Geralmente, as construções mais afetadas em terremotos são as que seguem o estilo tradicional japonês, com os alicerces de pedra ou em concreto, paredes de madeira ou de barro e telhado também de barro ou com telhas pesadas. Esse tipo de teto é eficaz para enfrentar furacões, mas em terremotos fazem as casas desabarem. A brasileira Karina Almeida, 33 anos, vive há seis anos em Ebina, Kanagawa, a 50km de Tóquio. Ela contou que, ao alugar um imóvel no Japão, a principal preocupação foi com os anos de edificação. “Procuro os com menos de 20 anos, porque têm mais chances de estar preparados para um eventual terremoto”, explicou.
O reconhecimento da necessidade de preservar os patrimônios humano e material do país fez do setor de pesquisas tecnológicas — tanto público como privado — sólido e prestigiado. A engenharia de construção e a previsão meteorológica são exemplos de áreas de pesquisa incentivadas e em constante desenvolvimento. Embora não seja possível prever a chegada de um tsunami ou de um terremoto, o Japão foi se equipando para sofrer o menos possível as consequências de calamidades ambientais às quais está susceptível.
Após o abalo de 1º de setembro de 1923, os japoneses intensificaram o aprendizado de como observar os sinais e precaver-se de maiores danos. Há por toda parte as instruções de como agir em caso de terremotos e de incêndios. Extintores são presença obrigatória nas casas e nos automóveis. Escolas orientam os estudantes sobre como proceder diante de qualquer tremor, e famílias mantêm em casa kits de sobrevivência com água mineral, alimentos, material de primeiros socorros, lanterna, rádio portátil e baterias extras.