David Spiegelhalter
Professor de Estatística da Universidade de Cambridge especializado em análise de risco
A situação produz uma narrativa fascinante - uma equipe corajosa lutando para conter a ameaça, alertas de catástrofe e alegações de incompetência, famílias desesperadas para proteger suas crianças e deixar a área.
Infográfico: entenda os riscos nucleares
Mas talvez a cobertura jornalística nos diga mais sobre nós mesmos do que nos diz sobre a ameaça da radiação.
Psicólogos passaram anos identificando os fatores que levam ao aumento das sensações de perigo e vulnerabilidade - e vazamento de radiação de uma usina nuclear cumpre todos os requisitos.
É um perigo invisível, misterioso e não compreendido, associado com consequências terríveis como câncer e más formações genéticas. Não parece natural.
Percepção e realidade
Em contraste, poucos no oeste da Inglaterra parecem preocupados com a radiação natural a que são expostos na terra na forma do gás radônio, que estima-se ser o responsável por mais de mil mortes por câncer a cada ano neste país.
Mas se a radiação vem de um acidente que nos foi imposto contra a nossa vontade, sentimos que não podemos controlar ou evitar o problema.
Portanto, não é surpreendente que os efeitos psicológicos da exposição à radiação provocada pelo homem e involuntária, ou até da possibilidade de que isso aconteça, são fortes.
Muitos das centenas de funcionários expostos a testes de bombas atômicas sofreram deficiências vitalícias semelhantes aos sintomas de estresse pós-traumático, e qualquer efeito do acidente na usina americana de Three Mile Island em 1979 foram psicológicos, mais do que causados por uma exposição mínima à radiação.
Estima-se que 17 milhões foram expostos a quantidades significativas de radiação depois de Chernobyl e, desde então, quase 2 mil pessoas desenvolveram câncer de tireoide depois de terem consumido comida e leite contaminado quando crianças.
Isso é muito sério, mas não é tão grave quanto se esperava, e um relatório da ONU identificou os problemas psicológicos como a maior consequência do acidente para a saúde.
A percepção do perigo extremo da exposição à radiação é, de certo modo, contestada pela experiência dos 87 mil sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki, que tiveram acompanhamento durante todas as suas vidas.
Em 1992, mais de 40 mil haviam morrido, mas estimou-se que somente 690 destas mortes foram consequência da radiação. Novamente, os efeitos psicológicos foram maiores.
A radiação parece aceitável quando usada em circunstâncias benignas como exames médicos. Ao fazer uma tomografia computadorizada de todo o corpo, uma pessoa fica exposta a uma dose de radiação equivalente à que receberia estando a cerca de 2,5 quilômetros do centro da explosão de Hiroshima.
Como mais de 70 milhões de tomografias computadorizadas são feitas todos os anos, o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos estimou que 29 mil americanos terão câncer como um resultado das tomografias que fizeram somente em 2007.
Barragem de opiniões
Por causa das preocupações extremas do público, comunicar os perigos durante uma crise é vital.
O consenso geral é que governos devem ser abertos e honestos, sem negação ou confiança prematura, que admitam riscos e incertezas e que mantenham um fluxo constante de informação enquanto dão às pessoas instruções claras e algo para fazer.
As autoridades japonesas estão se esforçando.
Mas companhia de eletricidade responsável pela usina de Fukushima tem sido reticente, a imprensa japonesa não está sendo tão dura com o governo e as pessoas que conseguem seguir as fontes ocidentais se deparam com um grande número de informações conflitantes.
O comissário de Energia da União Europeia já fez pronunciamentos falando sobre "apocalipse" e "catástrofe iminente".
Enquanto isso, o consultor científico do Governo britânico, John Bessington, teve que corrigir sua avaliação otimista anterior para incluir um "pior cenário possível" de radiação chegando a Tóquio, mesmo que em um nível seja possível se proteger.
No entanto, mesmo nesse "pior cenário", as consequências diretas do acidente nuclear para a saúde seriam muito pequenas se comparadas com os milhares já mortos pelo terremoto e pelo tsunami, além do contínuo sofrimento dos sobreviventes.
Talvez devamos esperar e ver o que acontece antes de decidirmos quais lições aprender.
O editor de ciência do jornal britânico Daily Mail, Michael Hanlon, já afirmou corajosamente que "o que aconteceu no Japão deveria ser visto como um grande endosso da energia nuclear", por causa do êxito da maioria das usinas japonesas em suportar um desastre para o qual não foram planejadas, mas outros usarão a mesma informação para chegar à conclusão oposta.
Eu perguntei a uma plateia de 800 estudantes do ensino médio a sua opinião e, apesar de estarem felizes de não estar em Tóquio, a maioria ainda achava que a nuclear era uma opção de energia sensata para o futuro.
Será que a geração que não sabe nada sobre a Guerra Fria está crescendo com uma perspectiva diferente da radiação?