O cessar-fogo declarado por Kadafi complicou o ímpeto de guerra liderado pela França e pelo Reino Unido. Segundo a agência americana Stratfor, a determinação da Europa em atacar a Líbia já não era muita. Se Kadafi dificultar a observação de que está matando civis, ou se os governos ocidentais se recusarem a verificar o cessar-fogo, a justificativa política para a guerra se enfraquece, e Londres e Paris ficam com menos apoio da opinião pública para bombardear o norte da África.
Mesmo se decidirem seguir adiante com o plano de uma zona de exclusão aérea na Líbia, ainda existem muitas complicações.
Na quinta-feira, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução que demanda um cessar-fogo e autoriza os membros da organização a tomar "todas as medidas necessárias" para proteger a população civil da Líbia, salvo uma força de ocupação. Assim, as potências ocidentais podem forçar uma zona de exclusão aérea no país.
O QUE É UMA ZONA DE EXCLUSÃO AÉREA?
Uma zona de exclusão ocorre quando uma potência com superioridade aérea restringe voos em um determinado país para mitigar ou impedir um conflito ou crise humanitária. Sua aplicação não é fácil nem automática - argumento usado pela Rússia antes da votação no Conselho. Impôr uma zona de exclusão exige identificar e destruir as defesas anti-aéreas do inimigo, de modo que os aviões da potência possam voar livremente.
Num conflito como o da Líbia, no qual armas anti-aéreas já caíram nas mãos dos rebeldes, identificar quais são pró-Kadafi e quais estão com o lado que o Ocidente quer proteger é crucial para salvar vidas.
Como lembrado por George Friedman, da agência Stratfor, os radares anti-aéreos líbios podem estar próximos a escolas, hospitais e outros pontos sensíveis.
Há um outro problema. A zona de exclusão não impede o avanço das forças de Kadafi por terra.
QUEM VOTOU A FAVOR DA RESOLUÇÃO?
Dez dos quinze membros do Conselho de Segurança votaram a favor da resolução de quinta-feira, incluindo três membros permanentes (EUA, França, Reino Unido), os três membros africanos (África do Sul, Gabão, Nigéria) e o patrocinador árabe do projeto, o Líbano. Os outros cinco membros não votaram contra, mas se abstiveram - dois permanentes (China, Rússia), uma potência europeia relutante em usar a força (Alemanha) e duas potências emergentes (Brasil e Índia). Os três últimos são candidatos a futuras vagas permanentes no Conselho.
O QUE FOI FEITO ANTES?
Em 26 de fevereiro, sob a presidência do Brasil, o Conselho de Segurança aprovou por unanimidade uma resolução impondo um embargo de armas à Líbia, encaminhando o caso para o Tribunal Penal Internacional, e impondo algumas sanções a autoridades do governo Kadafi, dentre outras medidas.
A Líbia foi expulsa da Liga Árabe e também do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
QUEM LIDERA A OPOSIÇÃO CONTRA KADAFI?
Mustafa Abdul Jalil é o líder do chamado Conselho de Transição Nacional, reconhecido pela França e pela Liga Árabe como o legítimo governo da Líbia. Jalil foi ministro da Justiça do governo Kadafi.
O QUE ESTÁ EM JOGO?
No curto prazo, petróleo e imigrantes. A situação é preocupante para países como a Itália, mais próximos e com mais vínculos. Cerca de 15% da produção da estatal italiana ENI se dá no país africano. O ministro das Relações Exteriores da Itália, Franco Frattini, disse esperar que 200 a 300 mil imigrantes deixem a Líbia caso o governo Kadafi caia. Porém, como obter petróleo e conter a imigração ainda serão de interesse da Itália num governo pós-Kadafi, Berlusconi está contribuindo com o esforço de guerra cedendo bases aéreas.
No longo prazo, é importante a posição da Líbia sobre grupos jihadistas. Kadafi obteve certa simpatia do Ocidente ao combater grupos terroristas em anos recentes, mas, com os recentes desdobramentos, seu governo chegou a dizer que se juntaria à Al-Qaeda, que tanto dizia detestar.
O precedente que se estabelecer na Líbia é fundamental para a estabilidade do Oriente Médio. Se os governos da região chegarem à conclusão de que as potências ocidentais sempre estarão a favor dos rebeldes (como foi o caso na Tunísia, no Egito, e agora, na Líbia), podem revisar sua política de alianças e preferir a aproximação com China ou Rússia, por exemplo.