Jornal Estado de Minas

Desabrigados no Japão evitam mudar para não serem chamados de 'covardes'

  

Na tentativa de ajudar as vítimas do tsunami a reconstruir a vida, o governo japonês começou um programa de transferência coletiva de abrigados para outras cidades com mais infraestrutura. Mas a maioria dos moradores prefere ficar nos abrigos por temer que sejam taxados, mais tarde, de “covardes”.

Na província de Iwate, por exemplo, quase 10 mil moradias foram disponibilizadas em cidades do interior, com isenção de aluguel. Mas até o começo desta semana, menos de 500 pessoas tinham se inscrito no programa.

Segundo reportagem do jornal Asahi, os moradores sofrem uma pressão velada das lideranças comunitárias, principalmente nas vilas de pescadores, para que não abandonem a cidade natal e ajudem a reconstrui-la.

Um dos entrevistados pelo jornal contou que, por causa disto, resolveu enviar metade da família para outra cidade. Ele ficaria na vila para ajudar a reerguê-la.

Abrigos

Cerca de 250 mil pessoas estão em abrigos montados em escolas, ginásios e espaços públicos. Em muitos destes lugares falta água, energia elétrica e a distribuição de comida é racionada.

Há também um medo dos médicos de que haja um surto de influenza. Psicólogos alertam ainda que o nível de estresse, por causa da convivência coletiva, possa aumentar e fazer com que muitos entrem em depressão profunda.

Por isto, o governo corre para construir casas provisórias – muitas já estão em fase de acabamento – ou remover os moradores para lugares que ofereçam hospitais, escolas e internatos para idosos.

A ideia é que os desabrigados fiquem em alojamentos públicos, moradias provisórias ou hotéis, longe das áreas destruídas. E para evitar que as vilas e aldeias desapareçam, o projeto prevê o retorno em massa destes moradores, assim que a infraestrutura esteja recuperada.

Mas o plano, a princípio, não foi bem interpretado pelos habitantes locais. A tarefa do governo agora é convencer as lideranças de que esta é a melhor solução.

Home stay

Várias províncias japonesas também começaram a seleção de famílias que possam receber, por até um ano, crianças e jovens em idade escolar, no sistema de home stay.

Em Yokohama, na província de Kanagawa, uma família brasileira está na lista à espera da aprovação. Silvia So, de 48 anos, contou que preencheu o formulário e está disposta a cuidar de uma destas crianças.

“Vi muita gente querendo ajudar, mas nós estrangeiros nos esquecemos, às vezes, de que estamos num país com uma cultura completamente diferente. Por isso, é preciso ter muito cuidado na forma como oferecemos essa ajuda”, fala a brasileira, que prefere seguir a orientação das autoridades sobre a melhor forma de ajudar.

Apesar da boa vontade, nem todos os japoneses se sentem confortáveis com tanta ajuda. Isto porque, desde pequenos, eles aprendem que não devem incomodar os terceiros.

Mio Saito, de 16 anos, por exemplo, não quer sair da cidade onde nasceu e cresceu, mesmo que isto signifique perder um ano escolar. Ela está abrigada com a mãe a irmã numa escola pública de Minami Sanriku, na província de Miyagi, vila que foi totalmente destruída pelo tsunami.

“É um problema que vai demorar a ser resolvido e, se eu for para a casa de alguém, não será por um tempo curto. Por isso, prefiro não incomodar”, diz a garota.

Mio conta que viu quando sua casa foi levada pela onda gigante e se deparou com muitos corpos nos dias seguintes à tragédia. Mesmo assim, ela não perdeu a esperança e diz que vai ajudar a reconstruir a vila. “Não somos esses ‘coitadinhos’ que a mídia tenta mostrar”, critica.