A política externa dos primeiros cem dias de mandato da presidente Dilma Rousseff teve como uma de suas principais novidades uma mudança de tom em relação aos direitos humanos no Irã, o que sinaliza uma maior preocupação do novo governo com o tema.
"O Brasil, durante o governo Lula, parecia um tanto flexível quanto aos direitos humanos por conta da prioridade de fazer alianças políticas", disse à BBC Brasil o professor de Relações Internacionais da USP Amâncio Jorge Silva Nunes de Oliveira.
"Com Dilma, os direitos humanos ganharam em prioridade, é uma correção de rota bastante clara", acrescenta. "Endurecer neste sentido é uma reorientação importante."
No dia 24 de março, o Brasil votou, em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a favor da nomeação de um relator que investigará a situação dos direitos humanos no Irã.
Ao justificar seu voto, a representante brasileira no Conselho, Maria Nazareth Farani Azevedo, disse que a não-observância da suspensão da prática da pena de morte no Irã, assim como em outros países, era uma "preocupação particular" do Brasil.
Em novembro do ano passado, em um comitê da Assembleia Geral da ONU, o Brasil se absteve de votar em uma proposta que condenava violações de direitos humanos no país persa.
"Este fato significa algum tipo de revisão da política do (ex-chanceler) Celso Amorim, tanto que o próprio Amorim demonstrou um pensamento diferente do voto brasileiro", diz o professor.
Em entrevista à BBC Brasil, Amorim afirmou que não é possível "bater forte e dialogar ao mesmo tempo" com países como o Irã. "Para você ter esse tipo de influência, você tem que ter um diálogo", disse o ex-chanceler, que afirma considera bom o fato de Dilma tomar rumos próprios na política externa.
EUA e China
Embora analistas afirmem que Dilma deve preservar as relações com países da América Latina, África e Oriente Médio, priorizadas no governo Lula, os primeiros cem dias de governo também foram marcados por um investimento no diálogo com Estados Unidos e China, as duas maiores potências econômicas do planeta.
Em março, o presidente americano, Barack Obama, realizou sua primeira viagem oficial ao Brasil, visitando Brasília e Rio nos dias 19 e 20 de março. Já Dilma fará uma visita à China exatamente no momento em que completa cem dias de governo, entre os dias 8 e 15 de abril.
No pronunciamento que fez ao lado de Obama, Dilma citou "contradições" e "desequilíbrios" que precisam ser superados e pediu o fim de medidas protecionistas dos Estados Unidos.
Leia Mais
Chávez fará em maio primeira visita oficial ao Brasil no governo DilmaObama telefona para Dilma e agradece pela hospitalidadeDilma chega a Portugal em visita com caráter políticoDilma e Cristina Kirchner vão fechar parceria para construção de reatores nuclearesIrã diz que fábrica de centrífugas não é segredoNunes Oliveira vê na postura de Dilma uma nova maneira de lidar com os Estados Unidos, buscando um tom mais empreendedor e prático, de olho em resultados concretos. "Resta ver o que vai ocorrer, tudo depende de uma abertura comercial do outro lado."
Quanto à viagem de Dilma à China, a busca de um maior equilíbrio no comércio entre os dois países é considerada por especialistas um dos principais temas de discussão.
"É de se esperar de Dilma algum tipo de cobrança com relação à diversificação na pauta de importação com a China, para que o Brasil não fique como um exportador primário", afirma Paulo Resende.
Conselho de Segurança
Além de acordos bilaterais, a viagem de Obama ao Brasil foi marcada por sua "manifestação de apreço" à intenção do Brasil em se candidatar a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU.
A declaração, que constou de um comunicado conjunto emitido após seu encontro com Dilma, não incluiu um apoio explícito dos Estados Unidos ao pleito brasileiro. Em outro pronunciamento, Obama se limitou a dizer que trabalha junto do Brasil para tornar o Conselho "mais representativo".
No discurso ao lado de Obama, Dilma defendeu a vaga para o Conselho de Segurança e disse que o Brasil é um país comprometido com a paz e o diálogo, que não pretende realizar uma "ocupação burocrática" de espaços como este.
"Já não é razoável nem justificável convivermos com um Conselho de Segurança que parece refletir mais um mundo do século 20 do que um do século 21", disse Patriota.
Nunes de Oliveira avalia que a aproximação com países como o Irã complicou as chances do Brasil de obter a vaga. Para o especialista, esta possibilidade diminuiu muito no governo Lula, e agora a situação está, segundo ele, em compasso de espera.
Já a professora de Relações Internacionais da PUC-Rio Letícia Pinheiro vê o "apreço" de Obama como um sinal positivo. "Não é um apoio declarado, mas também não é uma oposição à demanda brasileira, e isso em diplomacia já vale alguma coisa."
Sul-sul
Mesmo com as reorientações que foram observadas nos primeiros cem dias de Dilma no poder, Amâncio vê a política externa brasileira seguindo a mesma "matriz" do governo Lula, buscando aproximação com países emergentes e reivindicando sua maior participação nos fóruns internacionais.
Na opinião de Letícia Pinheiro, a América Latina deverá voltar à pauta da política externa do Brasil no futuro, junto com as demais relações "sul-sul", com países africanos e do Oriente Médio.
Neste contexto, a professora da PUC-Rio avalia que a figura do assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, deve voltar a ganhar importância.
"Concordando ou não com ele, o fato é que Garcia teve uma importância central ao definir uma pauta mais política e menos burocrática na questão diplomática, especialmente na relação com os países da América Latina", diz Pinheiro.