O presidente recém-empossado do Paraguai, Federico Franco, quer evitar o desconforto com os países vizinhos, principalmente o Brasil e o Uruguai. Determinado a desfazer o mal estar causado pela destituição do então presidente Fernando Lugo, Franco pretende procurar nos próximos dias a presidenta Dilma Rousseff e o presidente do Uruguai, José Pepe Mujica. Um dos receios de Franco é o eventual rompimento da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) com o Paraguai.
Ontem (22), no final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio%2b20, Dilma disse que acompanha de perto e com atenção as mudanças no Paraguai. Porém, vários ministros manifestaram dúvidas sobre o processo de impeachment movido contra Lugo pela rapidez e a forma como ocorreu. Em apenas 24 horas, ele foi destituído do poder.
O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse ontem que a impressão inicial que o governo brasileiro tinha era que havia ocorrido um golpe de Estado no Paraguai, pois o processo “foge do senso de procedimento geral de Justiça". O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse ter ficado impressionado com a rapidez do processo envolvendo Lugo. Segundo ele, foi um “processo incompatível com as regras do contraditório e da ampla defesa”. Até ontem à noite, os chanceleres da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) estavam em Assunção conversando com as autoridades paraguaias.
Perfil de Lugo - De aliado a inimigo traído
Luis Federico Franco Gómez, 49 anos, começou cedo na política. Aos 14 anos, afiliou-se ao Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), quando ainda era apenas um estudante do Colegio Nacional de la Capital. Essa relação adiantada com o universo político pode lhe ajudar no controle do Paraguai pelos próximos nove meses, até a realização das eleições presidenciais. Enquanto isso, seu governo deverá ser marcado por entraves, já que o secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Alí Rodríguez, advertiu que a Venezuela, a Bolívia e a Nicarágua não reconhecerão Franco como chefe de Estado.
Nascido em Assunção, Federico Franco estudou em escolas religiosas e se formou em medicina na Universidad Nacional de Asunción, em 1986. Exerceu os cargos de cardiologista e cirurgião enquanto trabalhava como político. O primeiro posto eletivo do médico, casado e pai de quatro filhos, foi de vereador na cidade de Fernando de la Mora, de 1991 a 1996, pelo PLRA. Tornou-se prefeito da mesma cidade em 1996, cargo no qual ficou até 2001.
Dois anos depois, tornou-se governador do Departamento Central paraguaio, onde atuou até 2007 – quando renunciou para trabalhar na campanha de Fernando Lugo, de quem se tornaria vice. A dupla se uniu na chapa Aliança Patriótica para a Mudança (APC, pela sigla em espanhol), integrada pelo PLRA, por partidos de esquerda e por movimentos sociais. A coalizão tentava tirar a Associação Nacional Republicana, dominada pelo Partido Colorado, do poder, no qual estava há 61 anos.
Franco apoiava o projeto de Lugo de buscar acordos no Congresso, formado em sua maioria por partidos de oposição. O fracasso das negociações fez com que o vice se opusesse ao presidente, mas sem deixar o governo. "Não concordei com Lugo em muitas de suas decisões, pois fui eleito, como ele, em abril de 2008, para administrar o país. Mas ele me ignorou", criticou o médico na quinta-feira, antes de a Câmara dos Deputados e o Senado aprovarem o pedido de julgamento político.
"Um exemplo da indiferença de Lugo em relação ao meu cargo: no sábado passado, uma senhora me ligou e disse que eu deveria ir ao palácio do governo porque havia um novo ministro do Interior. Foi designado Rubén Candia, do opositor Partido Colorado, no lugar de Carlos Filizzola. Lugo nem sequer me consultou a respeito", reclamou. Diante de toda a experiência que Franco tem, o deputado Enrique Salyn Buzarquis, correligionário do vice, acredita que o colega se sairá bem ao assumir a Presidência do Paraguai. "Ele está preparado para assumir o comando e pacificar o país", comentou ao jornal paraguaio ABC Color.
Repercussão na Argentina
"Sem a menor dúvida houve um golpe de Estado" no Paraguai, disse Kirchner, qualificando a situação de "inaceitável". Lugo, acusado "de mau desempenho de suas funções, negligência e irresponsabilidade" após a morte de 11 trabalhadores sem-terra e de 6 policiais em um confronto armado na sexta-feira passada, durante a desocupação de uma fazenda, foi destituído ao final de um processo parlamentar sumário, que durou pouco mais de 24 horas.
"É um ataque definitivo às instituições que reedita situações que acreditávamos absolutamente superadas na América do Sul e na região, em geral", disse Kirchner. A Argentina "não vai convalidar" o que ocorreu no Paraguai. "Vamos realizar uma ação em conjunto com Brasil e Uruguai, os demais integrantes do Mercosul".
Kirchner lembrou que na próxima semana, durante a Cúpula do Mercosul na cidade argentina de Mendoza, "teríamos que fazer a passagem da presidência do bloco à República do Paraguai". "Não quero adiantar posições sem consenso ou consultas com os demais integrantes do Mercosul, isto é com Dilma (Rousseff) e com Pepe (presidente do Uruguai, José Mujica)".
Repercussão no México
O governo do México considerou que o processo de destituição do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, realizado na sexta-feira, não foi justo, ao não conceder a ele espaço para sua defesa, afirmou a chancelaria em um comunicado. "Embora o processo de julgamento político tenha se desenrolado seguindo o procedimento estabelecido no texto constitucional paraguaio, o México considera que este procedimento não concedeu ao ex-presidente Lugo os espaços e tempos para a devida defesa", expressou a chancelaria do México.
O governo mexicano também afirmou que "é indispensável garantir a integridade física do ex-presidente Lugo"."O México faz votos para que seja mantido o diálogo entre as diferentes forças políticas deste país irmão e que sejam evitados em todo momento atos de violência", concluiu o texto oficial.
Repercussão nos EUA
Os Estados Unidos convocaram na sexta-feira os paraguaios à calma e a agir com responsabilidade, depois que o presidente Fernando Lugo foi destituído pelo Senado após um julgamento político sumário. "Convocamos todos os paraguaios a agir pacificamente, com calma e responsabilidade, no espírito dos princípios democráticos paraguaios", afirmou à AFP uma porta-voz do Departamento de Estado, Darla Jordan.
Lugo foi destituído pelo Congresso após um julgamento político do qual foi notificado na quinta-feira e que se desenrolou na sexta-feira no Senado em apenas cinco horas, provocando expressões de inquietação e condenação nas Américas. Após sua saída, o vice-presidente Federico Franco, de 49 anos e membro do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA, conservador), assumiu o cargo.
Repercussão no Peru
O presidente peruano, Ollanta Humala, classificou a destituição do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, como "um revés ao processo democrático na região que obriga nossos países a se manter vigilantes". Em uma mensagem dirigida ao povo paraguaio na noite de sexta-feira, o presidente manifestou sua "preocupação e pesar" por esta medida, informou a agência oficial Andina.
Após expressar sua solidariedade com o povo paraguaio, Humala defendeu a unidade dos países integrantes da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), "não descartando a adoção de medidas neste âmbito institucional", disse a agência.