Quase 1.500 quilômetros quadrados de plantação nos Andes mantiveram a superfície estável ao longo dos anos, alimentando um mercado da cocaína de mais de 100 bilhões de dólares, apesar dos esforços contra a produção da droga. Quase 20 anos de guerra violenta contra as drogas, além de bilhões de dólares investidos, deram algum resultado na Colômbia, que espera este ano a ceder o primeiro lugar mundial como produtor de cocaína ao Peru. Mas a queda na produção da Colômbia, tanto em área cultivada como em refino, rendimento da folha e rentabilidade do negócio, foi compensada com aumentos constantes no Peru e Bolívia, os outros dois principais produtores no mundo. Estes são o efeito balão do narcotráfico, que se aplica tanto à produção como ao transporte: ao apertar de um lado, cresce do outro. E a área cultivada permanece estável ao longo dos anos, equivalente ao tamanho combinado dos territórios do Cingapura e Bahrein.
Até 2010, a Colômbia rivalizava com o Peru tanto em áreas semeadas (62.000 hectares na Colômbia e 61.200 no Peru) como em produção de cloridrato de cocaína (350 toneladas anuais na Colômbia e 320 no Peru). Mas para 2011, os especialistas projetavam que o Peru passaria a ocupar o primeiro lugar nos dois quesitos. "Tudo o que diminuiu na Colômbia, voltou no Peru e Bolívia. Os laboratórios foram para o Equador e Venezuela, e o tráfico para América Central e México", afirmou à AFP o economista colombiano Daniel Mejía, diretor do Centro de Estudos sobre Segurança e Drogas da Universidade dos Andes. O relatório 2012 da ONU sobre drogas não confirmou o Peru como primeiro colocado na produção, mas foi publicado sem os dados de plantações e produção de cocaína correspondentes a 2011. O documento destaca a "muito importante redução da elaboração de cocaína na Colômbia" desde 2006, quando a produção anual alcançava 660 toneladas. De grandes proprietários de terras a pequenos camponeses O mapa contrasta com o de 20 anos atrás, quando os cartéis do narcotráfico colombiano eram mais poderosos e controlavam das plantações até as vendas, inclusive nas ruas de várias cidades americanas. Os cartéis colombianos começaram com uma participação apenas no tráfico de cocaína, que transportavam do Peru e em menor medida da Bolívia. Mas as plantações e laboratórios foram transferidos para a Colômbia no início dos anos 1990, depois que então presidente peruano Alberto Fujimori decretou uma interdição aérea que dificultou o tráfico. A medida permaneceu em vigor até 2001, quando um pequeno avião com missionários americanos foi derrubado por engano. A violência provocada pelos narcotraficantes colombianos fez com que eles passassem a ser considerados um desafio ao Estado. O combate aos grupos virou um tema de segurança nacional, desatando uma guerra que deixou milhares de mortos. "A diferença da Colômbia com os outros produtores de coca é que neste país existia um conflito armado interno desde meados dos anos 1960", destacou Mejía. "Quando a guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e os paramilitares se vincularam ao negócio de cocaína, já eram exércitos formados", completou. No ano 2000, o governo do ex-presidente Andrés Pastrana assinou com os Estados Unidos o Plano Colômbia, de combate às drogas e às guerrilhas. Pelo acordo, o país andino recebeu até agora quase oito bilhões de dólares, além de ajuda em treinamento e tecnologia. O Plano Colômbia também implicou uma interdição aérea, o que levou a droga colombiana a deixar o país por via terrestre e marítima, inclusive com a fabricação semi-submarinos caseiros. Desde então, os grupos de narcotraficantes colombianos sofreram fragmentações, perderam o controle das rotas de exportação e viram a queda de seus rendimentos. A fumigação dos cultivos de coca, praticada apenas na Colômbia, diminuiu a idade média das plantas e, portanto, sua produtividade. Além disso, para evitar sua detecção, os lotes que antes eram de até 100 hectares têm hoje extensões médias de 0,6 hectares. Isto obriga o aprovisionamento de produções de qualidades diferentes e requer processos adicionais de oxidação para a elaboração da pasta base, segundo estudos da ONU. Isso também fez com que um camponês dedicado à folha de coca obtenha apenas entre 400 e 500 mil pesos mensais (entre 225 e 280 dólares), menos que o salário mínimo. "Calcula-se que o negócio das drogas na Colômbia produza cerca de 8 bilhões de dólares anuais, equivalentes a 2,3% do Produto Interno Bruto. Deste montante, 71% é destinado a remunerar o vínculo do tráfico, 8% ao cultivo, 5% à transformação em pasta base e 15% à transformação em cloridrato" de cocaína, o produto final, disse Mejía. Para Aldo Lale Demoz, representante na Colômbia do escritório da ONU contra a droga e o crime (UNODC), apesar das conquistas no combate aos entorpecentes, o problema continuará existindo. "É ilusão pensar que será possível acabar com o problema. O que se pretende é controlá-lo, que a droga seja de difícil acesso e cara, que não chegue aos menores de 18 anos", disse Lale Demoz à AFP. Cultivo intensivo e pouca violência Enquanto na Colômbia o negócio se deprime, na Bolívia são aplicadas técnicas que praticamente duplicaram o rendimento da folha de coca, com o uso de precursores químicos com os quais o alcaloide é extraído de forma mais eficiente, segundo a UNODC. Diferentemente de Colômbia e Peru, que cooperam estreitamente com os Estados Unidos, o grande mercado consumidor de drogas, a Bolívia expulsou em 2009 a agência americana antidrogas DEA. Sua produção está destinada principalmente ao Brasil, onde o consumo de cocaína e anfetaminas quadruplicou na última década, e à Europa. Estima-se que das 115 toneladas de produção anual de cocaína na Bolívia, 60% passem para o Brasil, país que neste ano começou a oferecer ajuda para o controle das plantações. A Bolívia conta com cerca de 31 mil hectares de cultivos de folha de coca, dos quais 12 mil estão destinados a usos tradicionais e são legais. Também no Peru, onde calcula-se que existam 4 milhões de pessoas que mascam coca, parte das plantações servem ao uso tradicional da folha. Mas ali o plantio se intensificou nos anos seguintes. Embora exista uma média de 80 mil plantas por hectare nos cultivos para uso tradicional, elas chegam a 350 mil no vale do Rio Apurimac e Enec (VRAE, sul), uma das duas grandes bacias de produção deste país, junto com o vale do Alto Huallaga (norte), segundo o economista peruano e ex-vice-ministro do Ambiente Hugo Cabieses. E embora nestes dois vales exista a presença de grupos armados remanescentes da guerrilha maoísta Sendero Luminoso, que cuidam dos cultivos e se beneficiam do negócio da droga, não é gerada a violência que estigmatizou a Colômbia. "No vale do Apurimac atua a família Quispe Palomino, que tem uma proposta política focada no território que controlam. Tentam não provocar mortes entre os líderes da zona e isso lhes permitiu uma articulação com os movimentos sociais do local", explicou Cabieses. No vale de Huallaga, por sua vez, embora exista violência, os crimes não alarmam o país. "Trata-se de uma zona rural, muito pobre e isolada. A violência está concentrada ali, mas não transcende em nível nacional e não incide de modo importante no índice de homicídios do país", afirmou à AFP Javier Ciurlizza, diretor do programa para a América Latina do grupo de análises de conflitos International Crisis Group.