Uma sentença contra a circuncisão por motivos religiosos abriu uma polêmica na Alemanha, onde alguns invocam a liberdade religiosa, de muçulmanos e judeus em particular, e outros defendem a proteção da criança, em meio a um debate sobre a integração cultural.
Em sua nuvem, Deus lê o "Julgamento de Colônia", e fala ao telefone aos seus "colegas Alá e Javé": "Precisamos conversar com urgência, esses ateus estão cada vez mais inflados". A charge publicada no domingo no jornal Tagesspiegel resume com malícia o debate.
Em 26 de junho, o Tribunal do Distrito de Colônia (oeste) tomou a decisão de declarar a remoção do prepúcio por razões religiosas como lesão intencional, e, portanto, ilegal. "O direito de uma criança a sua integridade física supera o direito dos pais", afirma a decisão.
Segundo uma pesquisa, 56% dos alemães concordam com isso e 32% se dizem contra. O presidente da Ajuda à Infância Alemã, Georg Ehrmann, faz parte do primeiro grupo: "o direito da criança à uma infância sem ferimentos deve ser um consenso compartilhado por todas as comunidades religiosas".
A Torah exige a circuncisão do recém-nascido antes do oitavo dia. O Alcorão não prescreve, mas a tradição é forte. Judeus e muçulmanos, apoiados pelas Igrejas católica e protestante da Alemanha, não querem esperar os 14 anos da maioridade religiosa para os garotos decidirem fazer isso por si mesmos.
Se a sua jurisprudência ainda é incerta, esta decisão cria uma insegurança jurídica e diversas instituições como a Federação dos cirurgiões para crianças, a Câmara dos médicos alemães e a Sociedade Alemã de Cirurgia da criança, não recomendam esta operação para seus membros.
"Nós tentamos explicar o conteúdo desta decisão, mas os pais estão completamente surpresos, eles não entendem nada", disse à AFP Gerhard Nerlich, porta-voz do Hospital Judaico de Berlim.
"Ainda é muito chato e surpreendente. Dizemos às pessoas que estamos tristes, estamos fazendo isso há anos, mas agora não é mais possível", acrescentou.
O estabelecimento pratica entre "70 a 80 circuncisões por razões religiosas por ano, um terço em meninos judeus e dois terços em pequenos muçulmanos".
A comunidade muçulmana tem mais de quatro milhões de integrantes, enquanto o Conselho Central dos Judeus na Alemanha diz representar 105.000 pessoas.
Seu presidente, Dieter Graumann, afirmou ser escandalosa a decisão de Colônia. "Em todos os países do mundo, este direito religioso é respeitado".
As críticas se acumulam: "O judaísmo e o islã não são bem-vindos aqui", afirma o acadêmico Micha Brumlik, autor de vários livros sobre a relação entre judaísmo e a história alemã, em um fórum.
"Sem a circuncisão, não pode haver vida judaica na Alemanha", ressalta outra professora, Almut Bruckstein Coruh, especialista em filosofia judaica.
"A Alemanha deve, finalmente, reconhecer a diversidade que existe neste país, os muçulmanos também fazem parte deste país, desta sociedade", afirmaram à AFP, à margem de uma coletiva de imprensa, representantes de quase 20 associações muçulmanas em Colónia.
Esta questão de integração é polêmica há muitos anos na Alemanha. O presidente Christian Wulff afirmou em outubro de 2010: "O Islã é parte da Alemanha". Mas seu sucessor, Joachim Gauck, mudou o tom e disse: "Os muçulmanos que vivem aqui são parte integrante da Alemanha".
O termo "Kulturkampf" (choque cultural) floresceu na mídia e todos, seja partidário ou inimigo da decisão, apontam para política para resolver o debate.
O ministro das Relações Exteriores Guido Westerwelle já se distanciou da decisão, dizendo: "Deve ficar claro: Tradições religiosas são protegidas na Alemanha". Mas a maioria das comunidades querem mais e estimulam o Parlamento a assumir o caso para garantir a prática.