Julian Assange obteve o que desejava com seu discurso proferido da sacada da Embaixada do Equador em Londres, na manhã de anteontem. Ao pedir que o presidente norte-americano, Barack Obama, faça a "coisa certa" e interrompa a caça às bruxas ao Wikileaks – o site de vazamento de documentos confidenciais fundado por ele –, o hacker australiano capitalizou a atenção mundial e forçou uma resposta dos Estados Unidos. O contra-ataque veio 24 horas depois, por meio da porta-voz do Departamento de Estado, em Washington. De acordo com Victoria Nuland, as declarações de Assange são "absurdas". "Ele está claramente tentando desviar as atenções do centro da questão", afirmou ela, referindo-se aos crimes de abuso sexual dos quais o líder do Wikileaks é acusado pela Suécia. Christine Ann Assange, mãe de Julian, saiu em defesa do filho e devolveu as críticas aos EUA. "O governo dos Estados Unidos está desviando a atenção do tema real: a perseguição ao editor-chefe do Wikileaks por expôr os crimes de guerra e a corrupção", afirmou em entrevista pela internet.
O chanceler equatoriano, Ricardo Patiño, garantiu ontem a disposição de seu país de negociar com as autoridades britânicas. "Preferimos continuar com um trabalho de diálogo com a Grã-Bretanha. Recorrer à Corte Internacional de Justiça (CIJ) de Haia é o caminho que nos restaria depois", afirmou à rede de tevê local Gama. "Sabemos que isso leva muito tempo, alguns ambos pelo menos para que esse organismo possa tomar uma decisão."
ALIADO O ministro das Relações Exteriores voltou a pedir que Londres desminta, oficialmente, a ameaça de invasão à representação. Ante esse perigo, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez uma advertência expressa ao Reino Unido. "Haveria respostas muito contundentes caso se atreva a violar a soberania equatoriana da embaixada", disse, em ato transmitido pela TV estatal VTV. "Sugiro ao governo (britânico) que pense muito bem, pois terminaram aqueles tempos nos quais os velhos impérios e os novos faziam conosco o que queriam. O Equador não está só", disparou Chávez. Centenas de equatorianos saíram às ruas de Quito e se concentraram diante do consulado britânico, em Guayaquil, em apoio a Assange.
A postura de Patiño foi elogiada por Christine. "O Equador tomou uma decisão sólida, de princípios, baseada em fatos. Ao contrário da Suécia, do Reino Unido e da Austrália, que são cães de colo dos EUA", disse à reportagem. A mãe de Assange foi pivô, anteontem, de uma polêmica envolvendo um locutor de rádio australiano. John-Michael Howson tentou uma entrevista com Christine, que rebateu: "Não darei a entrevista a você porque se comporta como um porco". Howson respondeu com gritos de "Sieg heil! Sieg heil! Sieg heil!", uma frase nazista. A emissora puniu o funcionário com suspensão.
Especialistas admitem que a permanência de Assange na embaixada pode ser prejudicial aos laços do Reino Unido com a América Latina. Em janeiro passado, o chanceler britânico, William Hague, declarou, em visita ao Rio de Janeiro, que "os dias de nosso distanciamento diplomático" terminaram. Os analistas criticam o desconhecimento de Londres do respeito da região pelo direito ao asilo. Para Michael Ratner, advogado de Assange nos EUA, os britânicos cometeram um grave erro ao ameaçarem invadir a embaixada. "O Reino Unido tratou o Equador como uma colônia vassala. Jamais teria feito tal ameaça contra outra potência, como os Estados Unidos e a China. Agora, está sob forte pressão para dar a Assange o salvo-conduto", comentou por e-mail. Ele acredita que a reunião da OEA, na sexta-feira, obrigará Londres a conceder livre trânsito ao hacker.