Brasília – Quando subir nesta noite ao palco da convenção democrata, em Charlotte (Carolina do Norte), o presidente Barack Obama tentará repetir um momento histórico. Há quatro anos, em Denver (Colorado), ele aceitou a candidatura à Casa Branca com um discurso vibrante, que coroou seu favoritismo e o ajudou a tornar-se o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Desta vez, a missão é resgatar o entusiasmo de 2008 e decolar para a reeleição, a despeito de uma série histórica da taxa de desemprego, que se mantém acima dos 8% desde 2009. Na avaliação de especialistas, na principal oportunidade de falar sobre as conquistas do primeiro mandato Obama deverá lembrar sua trajetória e como ela o aproxima dos americanos comuns – como fez sua mulher, Michelle, na noite de terça-feira, com sucesso estrondoso.
O discurso do presidente tinha sido programado originalmente para o Bank of America Stadium, uma arena a céu aberto com capacidade para 75 mil pessoas. A ideia era recriar o espetáculo de Denver, que teve um estádio de futebol como cenário. Mas o risco de uma grande tempestade atrapalhar a noite convenceu os organizadores a remanejar o evento para a sede da convenção, na Time Warner Cable Arena, que comporta 20 mil convidados. Não foi a primeira vez que o clima atrapalhou os planos de um candidato presidencial neste ano. Na semana passada, a passagem de uma tempestade tropical pela Flórida obrigou os republicanos a cancelar o primeiro dia de sua convenção.
Obama chegou ontem mesmo a Charlotte, para assistir ao discurso do ex-presidente Bill Clinton, cuidadosamente agendado para não ofuscar a fala do presidente. Ao popular ex-mandatário coube o papel de lembrar os eleitores os oito anos de prosperidade em seus dois mandatos na Casa Branca, entre 1993 e 2001. Os democratas têm apostado que a classe média possa se empolgar com essas lembranças e com a possibilidade de Obama reproduzi-las. "Esta eleição, para mim, é em torno de qual candidato está mais próximo de trazer de volta o pleno emprego. O plano republicano é cortar mais impostos das pessoas com altos rendimentos e voltar à desregulação. Isso foi o que nos colocou em problemas", antecipou o ex-presidente, em mensagens divulgadas antes de sua fala.
A participação de Clinton, até então uma presença discreta na campanha, gerou grande expectativa entre os convidados da convenção e, de certa forma, compensou a ausência de outro importante Clinton: a ex-primeira-dama Hillary, atual secretária de Estado, que está em viagem oficial pela Ásia. Ela foi derrotada por Obama nas primárias democratas de 2008. Além disso, o nome de peso dá continuidade à sequência de oradores eletrizantes em Charlotte. Na terça-feira, logo antes de Michelle, quem empolgou a plateia foi Julián Castro, prefeito de San Antonio (Texas), primeiro político hispânico a fazer o principal discurso de uma convenção democrata.
Sem mencionar pelo nome o adversário, Mitt Romney, a primeira-dama fez uma crítica velada ao candidato republicano ao lembrar a origem simples e difícil dela própria e do marido, para ressaltar que o mérito de ambos não está no sucesso pessoal ou no patrimônio acumulado, mas nos valores que cultivaram ao longo dos anos — e preservaram após quatro anos na mansão oficial. "Barack sabe o que é o sonho americano porque ele viveu isso", disse Michelle, arrancando aplausos. "Para Barack, o sucesso não se mede pelo dinheiro que você ganha, mas pela diferença que você faz na vida das pessoas."
CONTINUIDADE
Na avaliação da professora de relações internacionais Cristina Pecequilo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), esse deverá ser também o tom de Obama, esperado às 22h30 (23h30 em Brasília) no palco da convenção. "Ele terá uma postura bem firme, lembrando sua trajetória, mas colocando a ideia de que a continuidade é mais importante que a mudança, neste momento", afirmou a especialista em política norte-americana. "Acho que ele tentará ser pragmático como a mulher, porém mais inspirador. Ele tentará usar todo seu carisma novamente."
A professora de ciências políticas Marjorie Hershey, da Indiana University-Bloomington, vê no discurso desta noite uma oportunidade para Obama enviar uma "clara mensagem" sobre as conquistas de seu primeiro mandato, algo que, na sua avaliação, tem deixado a desejar. Segundo Hershey, muitos norte-americanos têm uma imagem distorcida do que tem sido feito pela atual administração, e o presidente terá a "principal oportunidade de enfatizar o que tem feito e afastar mensagens imprecisas".
Homem de família
Enquanto a primeira-dama discursava na Convenção Democrata exaltando a figura paterna de Barack Obama, o presidente honrava as palavras da mulher na Casa Branca. Na Sala dos Tratados da mansão presidencial, ele assistiu ao discurso com as filhas, Malia (E), 14 anos, e Sasha, 11. Michelle Obama arrebatou a plateia descrevendo o cotidiano do primeiro casal com "as nossas meninas", desde o período em que o marido era senador estadual em Illinois. "Nosso programa de todas as noites era jantar ou assistir a filmes juntos. Na maior parte das vezes, as duas coisas, porque confesso que na chegada do trabalho eu era uma mãe cansada", relatou, arrancando um coro de gargalhadas.
Briga de rua
Ainda nem começou a fase oficial da campanha pela Casa Branca, que se segue às convenções partidárias e à oficialização das chapas democrática e republicana, mas a expectativa por uma disputa acirrada e agressiva já inspirou artistas de rua em Nova York. Reggie Brown, imitador do presidente Barack Obama, e Mike Cote, que encarna o desafiante republicano, Mitt Romney, simularam ontem no Washington Square Park como seria um "tira-teima" entre os candidatos. A performance terminou na representação de uma autêntica pancadaria de rua, com direito a garrafadas (de mentira) e golpes de vale-tudo, para diversão dos nova-iorquinos que passeavam pelo parque.