A onda de violentas manifestações antiamericanas no mundo árabe e islâmico, em protesto contra um filme considerado ofensivo ao profeta Maomé, ameaça complicar uma frente de campanha que os assessores de Barack Obama consideravam jogo vencido, a menos de dois meses da batalha pela reeleição. Os ataques dos últimos dias a representações diplomáticas norte-americanas, com a morte do embaixador na Líbia, projetou a sombra da liderança tíbia sobre um presidente que, até então, ostentava troféus valiosos de política externa: a execução de Osama bin Laden, a promessa cumprida de retirar as tropas do Iraque, o cronograma para a saída do Afeganistão. Questionado pelos republicanos, sempre hábeis em apresentar-se como o "partido da segurança nacional", Obama se vê desafiado a dosar a reação equilibrando as necessidades de candidato e os deveres de presidente.
Em uma disputa que se anuncia apertada até o dia da votação, em 6 de novembro, como atestam as pesquisas até aqui, uma crise internacional e o risco de uma espiral de violência que exija o recurso à força transformam o Oriente Médio em tema capaz de sensibilizar os indecisos – uma faixa preciosa do eleitorado. De olho justamente nesse público, o desafiante republicano, Mitt Romney, moderou sua retórica. Em suas primeiras declarações sobre os incidentes, o candidato tentou mostrar o presidente como "simpático" aos autores dos ataques e acusou-o de "desculpar-se pelos valores americanos". O tom funcionou com a base republicana mais conservadora, mas pôs em risco a conquista dos moderados, que em 2008 votaram em grande número por Obama.
O dilema de Romney se explica por sua desvantagem flagrante nas pesquisas quando o assunto é política externa. No mês passado, uma sondagem Wall Street Journal/NBC News mostrou que 54% dos entrevistados aprovam a maneira como o presidente conduz a diplomacia. Quando se pergunta em quem confiam mais como comandante-em-chefe, 45% apontam Obama, contra 38% para Romney.
Em 2008, quando conquistou a Casa Branca, o atual presidente tinha no currículo apenas quatro anos no Congresso, como senador por Illinois. Para enfrentar o veterano de guerra John McCain, o Partido Democrata escalou como vice o experiente Joe Biden, então presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Hoje, Biden é considerado um dos principais conselheiros do presidente. E, ao fim de quatro anos de mandato, o presidente responde às crises e perigos que se insinuam no horizonte forçando a comparação com o adversário – como fez no discurso de encerramento da Convenção Democrata, apresentando-se como um político "testado e aprovado" nas questões de defesa.
Por todo o contexto, o coordenador do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo (Gacint/USP), Ricardo Sennes, especula que a divulgação do filme ofensivo ao islã tenha sido planejada para o atual momento da corrida eleitoral. Na avaliação do especialista, a iniciativa partiu de um segmento conhecido no espectro político americano, uma direita religiosa sectária que já protagonizou outros episódios polêmicos. "Mas a repercussão dessa crise superou o embate interno", afirma. "Quando radicais dos dois lados querem brigar, não há moderado que segure."
DEBATES A perspectiva de uma onda de radicalismo contra os EUA no Oriente Médio, capaz de ofuscar a crise econômica, evoca para os democratas o fantasma de 1980, quando a inflação em alta e a crise dos reféns na embaixada americana em Teerã custaram a Jimmy Carter a reeleição – embora o adversário fosse Ronald Reagan, até hoje considerado um dos presidentes mais hábeis na comunicação com os americanos, na história recente. Neste ano, porém, a equipe de Obama aposta que a política externa pode pesar a favor do presidente nos debates televisionados do próximo mês.
Em 11 de outubro, no Kentucky, os vices discutirão a situação internacional, e Biden, por sua experiência, tende a sair-se melhor que o concorrente republicano, Paul Ryan. Melissa Miller, cientista política da Universidade Estadual Bowling Green (Ohio), pondera que Ryan é "queridinho" da base conservadora especialmente pelas duras críticas que faz aos gastos do governo, mas não desfila maior experiência internacional. "Se o foco se voltar para a política externa, ficará claro que Paul Ryan não apresenta as condições ideais", disse. Os candidatos a presidente abordarão o tema no último debate antes das eleições, em 22 de outubro, na Flórida.