Tropas francesas entraram neste sábado em Gao, no leste do Mali, um dos últimos bastiões dos grupos islâmicos que chegaram a dominar metade do país. A liberação da cidade é um alívio para o comerciante Boubaka, de 47 anos, que chegou à capital, Bamako, há uma semana. Ele fugiu de Gao levando cerca de 50 pessoas, entre eles 7 irmãos, seus filhos e mulheres, em um caminhão convertido em ônibus, com 100 pessoas apinhadas em bancos de madeira com 6 passageiros cada.
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Países africanos enviarão 6 mil soldados ao MaliFrança rejeita 'lógica da chantagem' para refém no MaliTropas francesas tomam controle de aeroporto no MaliAnticoncepcional Diane 35 não será mais vendido na França; Brasil avalia uso da pílula"Sempre convivi com os tuaregues, mas até agora não entendi o que eles querem", diz Boubaka, da etnia peul, que representa 17% da população do Mali, enquanto os tuaregues, somados aos mouros, de origem berbere, são outros 10%. "Os tuaregues são privilegiados. Têm empregos públicos sem terem diploma. São oficiais superiores no Exército." Como parte de acordos entre o governo do Mali e representantes dos tuaregues, eles têm reservada uma fatia no serviço público, nas Forças Armadas e no gabinete de ministros.
"A verdadeira minoria do Mali são os bobous, que representam entre 2% e 3% da população e trabalham como empregados domésticos", diz o comerciante. "Se alguém tivesse de fazer rebelião, seriam eles." Embora isso seja proibido, no Mali ainda existem escravos-famílias que nascem para servir a outras famílias, e fazem trabalhos domésticos em troca de comida e assistência.
Boubaka, que não quis dar o sobrenome nem ser fotografado, por medo de represálias contra seus parentes que continuam em Gao, conta que sua casa e sua loja foram saqueadas. Ele lembra que os separatistas tuaregues do Movimento Nacional de Libertação do Azawad (MNLA) chegaram à cidade com os militantes do Movimento pela Unidade e Jihad na África Ocidental (Mujao), em 29 de março. "Eles ficaram juntos até maio. Em junho, o MNLA partiu." Os dois grupos entraram em confronto porque o MNLA tem uma agenda secular, de independência do território do norte, enquanto o Mujao e o Ansar Dine querem a conversão de todo o Mali em uma república islâmica.
O Mujao pôs esse projeto em prática em Gao. "Mulheres que saiam sem véu são chicoteadas em praça pública", testemunha Boubaka. "Os homens pegos fumando também apanham."
Música e festa foram proibidas na cidade. "Os tuaregues não gostaram disso. Eles são festeiros", diverte-se Boubaka. Os militantes também obrigaram os moradores a arrancar antenas de TV dos telhados das casas, conta ele.
Boubaka observou que entre os militantes havia malineses de várias etnias, árabes de Gao e de Timbuctu (outra cidade ocupada no norte), tunisianos, marroquinos, egípcios, saarauis (etnia do deserto) e até três franceses convertidos ao Islã. "Se os islâmicos forem embora de Gao, voltaremos imediatamente para lá" garante Boubaka.