Milão – O ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi despertou revolta na esquerda italiana ontem quando fez comentários em defesa do líder fascista Benito Mussolini em uma cerimônia em memória das vítimas do Holocausto nazista. Falando nos bastidores do evento em Milão, Berlusconi disse que Mussolini errou ao seguir a Alemanha nazista aprovando leis antijudeus, mas que em outros aspectos foi um bom líder. “Hoje é difícil se colocar no lugar das pessoas que tomavam decisões à época”, declarou Berlusconi, em campanha para as eleições do mês que vem à frente de uma coalizão que inclui políticos da extrema direita cujas raízes remontam ao antigo partido fascista da Itália.
“Obviamente o governo da época, por medo de que o poder alemão pudesse levar à vitória completa, preferiu se aliar à Alemanha de Hitler do que se opor a ela”, disse. “Como parte dessa aliança, havia imposições, como combater e exterminar judeus”, afirmou Berlusconi. “As leis raciais foram a pior falha de Mussolini como líder, ele que em tantos outros aspectos se saiu bem”, disse, referindo-se às leis aprovadas pelo governo fascista de Mussolini em 1938. “Embora Mussolini seja conhecido fora da Itália sobretudo por seu conluio com a Alemanha nazista, seu governo bancou também grandes projetos de infraestrutura, assim como o bem-estar de seus apoiadores.
Os comentários de Berlusconi eclipsaram as comemorações de milhares de judeus e outros deportados da Itália para campos de concentração nazistas no Leste europeu. Eles (os comentários) foram classificados de “repugnantes” pelo Partido Democrata (PD), que lidera as pesquisas para o pleito parlamentar de 24 e 25 de fevereiro. “Nossa república é baseada na luta contra o fascismo nazista, e estes comentários são intoleráveis, incompatíveis com a liderança de forças políticas democráticas”, disse Marco Meloni, porta-voz do PD para assuntos institucionais. Antonio Ingroia, ex-magistrado antimáfia em campanha à frente de outra coalizão esquerdista, disse que Berlusconi é “uma desgraça para Itália”.
“As declarações de Berlusconi são desagradáveis e é simplesmente uma infelicidade que tenha escolhido este dia da Memória para reabilitar a ação do ditador que mergulhou a Itália na Segunda Guerra Mundial”, comentou, em comunicado, a deputada europeia do PD (esquerda), Debora Serracchiani. O primeiro-ministro (demissionário) italiano, Mario Monti, esteve também na cerimônia em Milão e disse que o “perigo da segregação e do antissemitismo ainda existem”. “Devemos estar atentos e garantir que certos grupos que emergem de tempos a tempos não provoquem tragédias que a humanidade não deve viver nunca mais.”
HOLOCAUSTO Não foi a primeira vez que Berlusconi defendeu Mussolini, cuja situação permanece profundamente ambígua na Itália 67 anos depois de sua execução por militantes comunistas enquanto tentava fugir para a Suíça, em abril de 1945. Muitos políticos italianos, incluindo Gianfranco Fini, presidente da câmara baixa do Parlamento, vêm das alas do antigo Movimento Social Italiano, oriundo do partido fascista, embora tenham renunciado à extrema direita. “Temos que ser cuidadosos para que estas faíscas, que são recorrentes, não tragam de volta tragédias que a humanidade não deve sofrer novamente”, declarou ontem o premiê demissionário, Mario Monti.
Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945) dirigiu a Itália entre 1922 e 1943. A partir de 1938, ele promulgou uma série de “leis raciais” que, na prática, introduziram medidas de discriminação e perseguição aos judeus. No sábado, a chanceler alemã Angela Merkel havia dito que “a Itália não tem a responsabilidade da Alemanha no Holocausto” e que o seu país tem “uma responsabilidade permanente sobre os crimes do nacional-socialismo”.
Mundo sem ódio
O papa Bento XVI lembrou ontem do Holocausto e pediu um “monitoramento constante” para que os “horrores do passado” não sejam repetidos. “A memória dessa tragédia, que atingiu duramente o povo judeu, deve representar para todos uma advertência constante para que os horrores do passado não se repitam”, disse o pontífice, por ocasião do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Destacando a necessidade de superar “todas as formas de ódio e de racismo”, Bento XVI apelou para a promoção “do respeito e da dignidade da pessoa humana”.