Enquanto não é realizado o conclave para escolher o novo papa, o cardeal Tarcísio Bertone, de 78 anos, terá seu poder ampliado. Homem de confiança do papa Bento XVI e nomeado em 2006 para a função de secretário de Estado de Vaticano, esse italiano, oriundo da congregação dos religiosos Salesianos de Dom Bosco (SDB), está diretamente envolvido em uma série de denúncias que atingiram o Vaticano nos últimos anos. Bertone conseguiu afastar seus opositores e é conhecido por sua paixão com o futebol, chegando a atuar como comentarista na TV, e desenvolveu planos de montar um time de futebol do Vaticano para disputar o Campeonato Italiano e até as Eliminatórias europeias.
Teólogo especializado em direito canônico, Bertone assumiu o posto de secretário de Estado do Vaticano em 2006, substituindo o espanhol Eduardo Martínez Somalo, que renunciou ao cargo. Até a escolha do novo papa, que deve acontecer antes da Páscoa, Bertone vai assumir o posto de camerlengo e administrar o Vaticano, com o auxílio de três cardeais, sendo que um deles é o decano e deverá organizar a eleição do novo papa. Durante o período de transição, quem administra a Igreja é o colégio de cardeais, especialmente na figura do camerlengo, o responsável pelos bens da Cidade do Vaticano. Bertone é um 119 cardeais aptos a serem eleitos e é apontado como um dos nomes mais fortes, mas seu nome divide mais do que congrega.
Enquanto o Vaticano inicia as preparações para o último dia do papa Bento XVI, fontes da Igreja disseram que consultas formais ao telefone, em almoços e via correspondências começaram entre os cardeais sobre que tipo de líder o próximo papa deve ser. Depois de uma série de escândalos, os especialistas dizem que os cardeais da Igreja estão buscando alguém que não seja apenas um homem santo, mas também um bom administrador.
Porém, o ponto fraco de Bertoni é justamente a administração. Ele é visto como um mau gestor e também um diplomata confuso. Em 2009, uma delegação de cardeais chegou a pedir ao papa para substituí-lo. Outro problema é que apesar de Bertone ser italiano, ele sempre preferiu nomear para posições-chaves seus colegas membros da ordem salesiana.
O episódio que ficou conhecido como “Vatileaks”, sobre o vazamento de documentos confidenciais do Vaticano, comprometeu seriamente Bertone. Em janeiro do ano passado, foram reveladas duas cartas do arcebispo Carlo Maria Viganò endereçadas ao papa. As cartas tinham queixas da corrupção no alto escalão do Vaticano. A acusação dava a entender que Bertone, se não era um dos corrompidos, teria pelo menos fechado os olhos para diversos fatos graves. Viganò foi vice-governador do Vaticano entre 2009 e 2011 e tentou acabar com a corrupção, o nepotismo e com os contratos com preços inflacionados. Porém, quando levou os fatos ao conhecimento de Bento XVI, foi afastado e transferido para um posto nos Estados Unidos.
Outro afastado foi o economista e presidente do Banco do Vaticano Ettore Tedeschi. Membro importante da ordem ultraconservadora Opus Dei, ele assumiu em 2009 o Instituto para Obras Religiosas (nome oficial do Banco do Vaticano) com a missão de tornar transparentes os seus demonstrativos – exigência de instituições financeiras internacionais – de modo a evitar a lavagem de dinheiro. O economista foi demitido sumariamente em maio, um dia depois da detenção de Paolo Gabriele, mordomo do papa, e apontado como um dos responsáveis pelo vazamento de documentos confidenciais da Santa Sé.
Bertone, apontado como diretamente responsável pelos dois afastamentos, minimizou os escândalos, insistindo que são apenas o resultado de jornalistas "fingindo ser Dan Brown", uma referência ao livro Código Da Vinci. O cardeal também, enigmaticamente, culpou o "diabo". O poder de Bertone, entretanto, está relacionado a sua ligação com o papa Bento XVI. Quando o então cardeal Joseph Ratzinger comandava a Congregação para a Doutrina da Fé, Bertone foi o número 2 da organização, se aproximou do papa e conquistou o atual cargo, mesmo sem experiência diplomática.
FUTEBOL Além de controlar a máquina administrativa da Igreja, Bertone é um dos homens mais importantes do Vaticano no que diz respeito ao esporte. Em 2003, um ano depois de chegar a Gênova como arcebispo, tornou-se cardeal e criou a Copa Clerical, torneio disputado apenas por religiosos. Sempre teve o desejo de montar uma equipe que tivesse condições de disputar uma Copa do Mundo, com representação na Fifa.
O plano de Bertone era a criação de uma equipe que participasse do Campeonato Italiano e, ao mesmo tempo, vestisse um uniforme amarelo para participar das Eliminatórias. “Eu não excluo a possibilidade de que o Vaticano, no futuro, possa montar um time de futebol de grande valor, que poderia jogar na primeira divisão, ao lado de Roma, Internazionale, Genova e Sampdoria”, disse à época da criação do torneio. “Podemos recrutar seminaristas. Lembro que 42 jogadores que disputaram a Copa do Mundo de 1990 passaram pelos centros de treinamento salesianos. Se pegarmos apenas os estudantes brasileiros das universidades pontifícias, podemos ter uma equipe magnífica”, argumentou o poderoso cardeal.
O futebol o aproximou da população local a tal ponto que ele se tornou comentarista de um canal de televisão de Gênova. Trabalhava em jogos dos dois times da cidade – Gênova e Sampdoria – e era considerado totalmente imparcial. Bertone fez parte de um acordo que possibilitou a mudança do horário das missas para não coincidir com os dos jogos, pois a concorrência do italiano era entre a igreja e o estádio. Os planos de um time para representar o Vaticano não foram adiante, mas em parte ele conseguiu colocar em prática sua ideia, ao montar uma equipe amadora, que ainda hoje disputa jogos em várias cidades italianas.