O multimilionário Silvio Berlusconi é o que se pode chamar de 'especialista em retornos', aquele político que consegue constantemente renascer das cinzas, apesar dos escândalos judiciários e sexuais que teriam ameaçado sua carreira em qualquer país ocidental. Menos na Itália, que realiza na próxima segunda e terça-feira eleições legislativas cruciais nas quais sua estabilidade política está em jogo.
"Berlusconi é como James Bond: nunca diga nunca", comenta o professor de filosofia Giacomo Marramao, enquanto o jornalista de esquerda Marco Travagli o apelidou de "Senhor Voltei". Seu segredo? Uma cara de pau que o deixou dizer que seu sucessor e agora rival Mario Monti "mergulhou a Itália na recessão". No dia seguinte, Berlusconi chegou a sugerir que o adversário poderia votar nele. Além disso, ele prometeu aos italianos que não somente baixará os impostos, mas reembolsará o que foi pago no ano passado.
Tudo isso aparecendo na mídia com uma presença que não enfraqueceu, apesar de seus 76 anos. "Eu me olhei no espelho hoje de manhã...e pensei: não se fazem mais espelhos como antigamente", declarou recentemente a seus fãs em Roma, sem abrir mão do eterno sorriso. Filho de um bancário milanês, Berlusconi nasceu em 29 de setembro de 1936 e começou sua carreira em barcos que faziam cruzeiros, onde trabalhava cantando e contando histórias engraçadas.
Vendedor de aspiradores de pó no final dos anos 1950, em 1961 ele se forma em direito e faz um empréstimo no banco onde o pai trabalhava para fundar uma sociedade imobiliária. Começa então uma irresistível ascensão que provoca questionamentos quanto à origem de sua fortuna, sobre a qual ele sempre foi reticente.
Mas foi sobretudo na televisão que sua genialidade transpareceu. Desde os anos 1980, Berlusconi espalha pela TV italiana uma série de programas cujas principais atrações são mulheres seminuas. A holding da família Berlusconi, Fininvest, conta com três canais de televisão, jornais e uma editora, a Mondadori. Mas a cereja do bolo para este fanático por futebol é o Milan AC, time campeão da Itália em 2011.
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Premiê italiano diz que UE teme a volta de BerlusconiDuelo de cães entre Berlusconi e Monti em campanha eleitoral italianaBerlusconi promete devolver imposto se vencer eleiçõesBerlusconi é fã de MussoliniBerlusconi diz que Itália precisa de tempo para refletirBerlusconi dá entrevista polêmica antes de eleiçãoEleição é só o começo de uma longa jornada para a ItáliaBerlusconi ganhou as eleições mas, abandonado pelos aliados, seu governo fracassou em sete meses. Em 2001 ele reconquista o poder, ficando até 2006 -- duração recorde no pós-guerra. Desgastado após cinco anos, ele foi derrotado nas eleições, mas faz uma revanche surpreendente dois anos mais tarde, chegando ao poder pela terceira vez, antes de pedir demissão em 2011.
Ao longo dos anos no poder, seus problemas pessoais, especialmente judiciais, ficaram em primeiro plano. Berlusconi foi diversas vezes condenado em primeira instância, mas nenhuma definitiva graças -- segundo seus opositores -- a leis adotadas especialmente. Muito preocupado com a aparência, este homem de baixa estatura recorre sem pestanejar a maquiagem, tinta de cabelo e cirurgia plástica.
Seu gosto assumido por jovens e belas mulheres - até mesmo garotas de programa - culminou com um pedido de divórcio em 2009. E um processo por prostituição de menores e abuso de poder, protagonizado pela jovem marroquina "Ruby" e as tórridas festas "bunga-bunga".
Itália às vésperas de eleições cruciais
Na Itália, atingida pela crise econômica e pelos escândalos de corrupção, o candidato favorito é de centro-esquerda, Pier Luigi Bersani, que por quase um ano teve cômoda vantagem. Ele pode se ver obrigado a formar uma aliança com o primeiro-ministro em fim de mandato e tecnocrata Mario Monti para poder governar diante do surpreendente avanço no último mês da direita de Silvio Berlusconi e do comediante "antissistema" Beppe Grillo.
Cerca de 47 milhões de italianos foram convocados às urnas para renovar o Parlamento, formado pela Câmara de Deputados (630) e pelo Senado (315), mais quatro senadores vitalícios.
Segundo as últimas pesquisas disponíveis, a coalizão de centro-esquerda liderada por Bersani ganharia as eleições com 2,5 a 4,5 pontos de vantagem sobre a direita de Berlusconi, que pode alcançar um empate no Senado, graças aos assentos concedidos, segundo a região.
Mas o clima eleitoral foi ofuscado na semana de Carnaval pela histórica renúncia do papa Bento XVI, e os programas de rádio e televisão se dedicaram quase que exclusivamente à inédita decisão do pontífice.
Berlusconi, que baseou toda a sua campanha em aparições em todos os canais de televisão, enaltecendo as suas bases e prometendo a eliminação de impostos, havia conquistado um aumento espetacular com esta estratégia midiática.
"O anúncio do Papa freou a corrente a favor de Berlusconi, lhe tirou visibilidade e espaço midiático", explicou à AFP o cientista político Roberto D'Alimonte.
Além disso, a Itália foi atingida nos últimos dias por uma série de escândalos de corrupção que afetaram os partidos políticos tradicionais e favoreceram a figura do chefe de Estado em fim de mandato, Mario Monti, que também aproveitou amplamente a televisão e a internet para denunciar os escândalos, tal como ocorreu em 1992 com "Tangentopoli", que sentou no banco dos réus com mais de 4.000 empresários e representantes de todos os grupos políticos.
A esquerda, que contava com 33% a 34% dos votos, conta em conquistar a maioria absoluta na Câmara de Deputados graças ao complicado sistema eleitoral em vigor, mas a aparição inesperada do juiz antimáfia Antonio Ingroia, recém-chegado à política com o movimento Revolução Civil, pode lhe tirar votos, já que se dirige ao mesmo eleitorado.
"O máximo que Bersano pode aspirar é se manter no mesmo nível", considera D'Alimonte.
O perfil sério e tranquilo de Bersani é completamente diferente do de seus maiores rivais e, em particular, do comediante Beppe Grillo, símbolo dos indignados, que, com seu Movimento 5 Estrelas, com uma plataforma para reduzir o número de parlamentares e com a exigência dos bancos se responsabilizarem por suas perdas, está canalizando a ira dos jovens contra a classe política.
Grillo, que também promete conceder um salário fixo aos desempregados, ocupa o terceiro lugar, com 14% a 18%.
Também é o único que percorreu a península em pleno inverno para realizar grandes comícios e tomar as manchetes dos jornais com suas atropeladas denúncias.
"É possível que conquiste 20% dos votos, tal como o partido de Berlusconi", comentou D'Alimonte, ao se referir ao novo fenômeno da política italiana, acusado de populismo.
Por outro lado, a irrupção na política de Monti em dezembro gera perguntas, e embora acumule de 10% a 14%, o chefe de governo em fim de mandato sofre as consequências da crise econômica que atinge a península, com um PIB negativo (-2,2% de 2012).
A batalha de Berlusconi junto com a populista Liga Norte pela próspera Lombardia é chave para tomar o controle do Senado, já que esta região, junto com Sicília, Veneto e campanha, concede um elevado número de assentos.
"Grillo rouba votos de Berlusconi e da Liga", sustenta o especialista, que lembra os escândalos que afetaram diversas personalidades da direita, entre eles o influente presidente da região de Milão, o católico Roberto Formigoni do PDL, conectado com importantes círculos de poder.
"Isso poderia favorecer a vitória de Bersani nas duas salas do Parlamento", sustenta D'Alimonte.
O pior cenário, que todos os editorialistas examinam, é que a Itália se encontre no dia 25 de fevereiro com duas maiorias diferentes na Câmara de Deputados e no Senado.
A Constituição concede o mesmo peso às duas salas do Parlamento e esta possibilidade significaria a temida ingovernabilidade, o que preocupa os mercados e afetaria a terceira economia da Eurozona, muito endividada e em recessão.
Os cientistas políticos sustentam que, caso não seja alcançada uma maioria no Senado, existe "um pacto de aço" entre a esquerda de Bersani e os moderados de Monti para governar, com o tecnocrata como ministro da Economia ou na presidência do Senado.