Jornal Estado de Minas

Itália em um impasse: a esquerda abre a porta ao contestatório Grillo

AFP

A Itália se encontrava nesta terça-feira em um impasse político preocupante para o restante da Europa, diante da falta de um vencedor claro nas eleições legislativas, como reconheceu o líder de centro-esquerda, Pier Luigi Bersani, que fez um apelo de ajuda ao movimento contestatório do ex-comediante Beppe Grillo.

O candidato da esquerda ao cargo de primeiro-ministro se expressou pela primeira vez desde o anúncio dos resultados e lançou um gesto de abertura em direção ao Movimento 5 Estrelas, que conquistou de forma surpreendente 25% dos votos no Parlamento.

Bersani evocou temas caros a esta formação, como a reforma institucional, a redução dos custos da política, a moralidade e a defesa dos mais desfavorecidos, fazendo um apelo a Grillo para que ele diga "o que quer para o país".

A esquerda defenderá suas propostas no Parlamento, onde "todo mundo vai assumir suas próprias responsabilidades" , alertou Bersani.

Até o momento, o Movimento contestatório 5 Estrelas (M5S) exclui se aliar com outra formação, mas analisará caso a caso as reformas, segundo declarou Beppe Grillo.

"Vamos analisar, reforma por reforma, lei por lei. Se existir sugestões compatíveis com o nosso programa, vamos avaliar", disse, acrescentando que "agora não é hora de falar sobre alianças".

Estas declarações sugerem um possível apoio à votação de leis apresentadas por um governo de esquerda, sem um acordo formal de coalizão com o Partido Democrático (PD), que tem maioria na Câmara.

Somados aos eleitos da esquerda, os 54 senadores de Beppe Grillo garantiria uma maioria no Senado.

O especialista político Stefano Folli considerou "extremamente vaga" a proposta de Bersani, que corre o risco de resultar em "um governo minoritário exposto a todos os ventos no Parlamento e de ficar nas mãos de Beppe Grillo".

"Estamos conscientes do caráter dramático da situação e dos riscos que o país corre", reconheceu Bersani.

Os mercados financeiro reagiram negativamente a este impasse sobre o futuro governo da terceira maior economia da zona do euro. A bolsa de Milão liderou a queda com 4,89%, seguida por Madri, em baixa de 3,2%, por Paris, que caiu 2,67%, Frankfurt, -2,27%, e Londres, que perdeu 1,34%.

A Europa também manifestou preocupação. A Comissão Europeia garantiu que entendeu "a mensagem de preocupação enviada pelos cidadãos italianos", mas pediu a Roma "que cumpra com os seus compromissos" orçamentais e de reformas.

O ministro das Relações Exteriores do governo conservador alemão, Guido Westerwelle, convocou nesta terça-feira a Itália a se dotar rapidamente de um governo estável, para prosseguir com a política de reformas "pelo bem de toda a Europa".

O grande perdedor das eleições foi o queridinho da Europa, Mario Monti, que recebeu apenas 10% dos votos. Alguns acreditam em uma possível grande coalizão para governar a Itália.

Para isso, seria necessário uma aliança entre o PD de Bersani, o Povo da Liberdade (PDL) de Berlusconi e o centrista de Monti.

Em seu blog, Beppe Grillo denunciou esta possibilidade de "grande grupo de políticos". "Nós vamos ver uma repetição do governo Monti", previu.

O Cavaliere, que aos 76 anos registrou uma ascensão espetacular em dois meses e meio de campanha, parece pronto para casar com o PD - "será preciso tempo para reflexão", segundo ele.

Berlusconi exclui qualquer acordo com Monti.

Já Bersani não parece convencido, rejeitando de antemão o "balé diplomático".

Difícil reconciliar dois homens que trocaram farpas nos últimos tempos. Berlusconi denunciou um governo Monti "de joelhos" diante de um "Alemanha hegemônica", enquanto o ex-comissário europeu acusou o seu antecessor de "comprar votos italianos" prometendo tirar um imposto de propriedade impopular.

Para o diretor da revista política Micromega, Paolo Flores d'Arcais, a esquerda tem "a possibilidade de um acordo com Grillo dando a presidência de uma das câmaras e propondo um governo com muitos tecnocratas" que aplicariam um programa "comum em acordo com as aspirações da esquerda tradicional".

Mauro Calabresi, diretor do jornal La Stampa, não vê alternativa senão a de "encontrar a convergência entre os partidos tradicionais e os novos parlamentares do 5 Estrelas. Eles devem ser tratados como um recurso, e não como inimigos".

O destino político da Itália está, de fato, nas mãos do presidente Giorgio Napolitano, que pode julgar esta situação muito instável e preferir nomear um novo governo de transição técnico antes de novas eleições.