Bento XVI se tornou nesta quinta-feira o primeiro sumo pontífice a abdicar em 700 anos, prometendo que se manterá próximo a todos os católicos em oração "com um simples peregrino".
Conforme a vontade de Joseph Ratzinger, nenhuma cerimônia especial marcou este momento histórico. Às 20h00 (16h00 no horário de Brasília) o trono de Pedro ficou vazio, e assim permanecerá até a eleição de um sucessor.
No momento em que os sinos da igreja badalaram oito horas, os guardas suíços fecharam os pesados portões de Castel Gandolfo, perto de Roma, sob os aplausos da multidão e gritos de "Viva il Papa".
No Vaticano, os aposentos do Papa foram selados, esperando o próximo ocupante.
Menos de três horas antes de sua renúncia, o Papa deixou o Vaticano a bordo de um helicóptero branco, adornado com um falcão nas cores da Santa Sé, para a residência de verão de Castel Gandolfo, onde passará os próximos dois meses.
Os sinos de Roma ressoaram no momento em que o helicóptero decolou sob a suntuosa basílica de São Pedro.
No mesmo momento, o Papa postava seu último tweet em sua conta @pontifex. "Coloquem Cristo no centro de suas vidas". "Obrigado por vosso amor e por vosso apoio", escreveu.
No pátio de Saint-Damase, cercado por 50 guardas suíços, os cardeais, sacerdotes e todos os seus colaboradores mais próximos acolheram Joseph Ratzinger, alguns ajoelhando-se para beijar-lhe o anel.
Frágil e reclinado, apoiando-se numa bengala e caminhando lentamente, o Papa sorriu e fez uma saudação com a mão.
Menos de vinte minutos depois, o Papa chegou a Castel Gandolfo, onde foi imediatamente para o balcão central da vila, aclamado por milhares de seguidores entusiasmados que agitavam bandeiras.
"Obrigada Bento, nós estamos com você!", proclama uma inscrição em letras prateadas colocada ao lado da pequena igreja da casa, onde hordas de jornalistas já estavam presentes.
Em sua última aparição pública como Papa, Bento XVI cometeu um pequeno deslize: "eu não sou mais Papa", começou antes de se corrigir. Às 20H00, "não serei mais Papa, mas apenas um peregrino que começa a última etapa de sua peregrinagem na terra".
Bento XVI deixa a seu sucessor, a quem prometeu "obediência incondicional", a responsabilidade de uma Igreja que enfrenta desafios sem precedentes.
O papa alemão de 85 anos que, após oito anos no trono de Pedro, tomou a decisão de renunciar alegando "falta de forças" no dia 11 de fevereiro para surpresa geral. Em um momento em que a Igreja Católica enfrenta uma contestação interna, a perseguição de cristãos no mundo, múltiplos conflitos étnicos e escândalos de todo o tipo.
A última renúncia de um pontífice por sua própria vontade remonta a Idade Média, em 1294, quando Celestino V, um eremita, abriu mão do trono envolvido em corrupção e intrigas após alguns meses.
"Tomei este passo com plena consciência de sua gravidade e também de sua novidade, mas também com grande serenidade da alma", disse Ratzinger na quarta-feira a uma multidão reunida na Praça de São Pedro. Vou me retirar "em oração e reflexão", assegurou ele aos 1,2 bilhão de católicos do mundo.
Na Sala Clementina do Vaticano, mais de cem cardeais vindos da Cúria e dos cinco continentes receberam o Papa para cumprimentá-lo no fim desta manhã.
"Entre vocês está o próximo Papa, ao qual prometo reverência e obediência incondicionais", prometeu em uma breve cerimônia de despedida, assegurando que estará sempre próximo "através da oração" no próximo Conclave. Em seguida, o porta-voz do Vaticano, o padre Federico Lombardi, insistiu nesta promessa de obediência, "uma abordagem muito original" que prova que Joseph Ratzinger "não tem intenção de interferir" nas decisões de seu sucessor.
Dos mais jovens, como o arcebispo de Manilla, Luis Antonio Tagle, até aqueles com 90 anos ou mais, 144 cardeais se despediram um por um, alguns em lágrimas.
Joseph Ratzinger falou mais uma vez de "momentos bonitos e de momentos onde havia algumas nuvens no céu" durante seus oito anos de pontificado.
Seu reinado foi marcado por controvérsias, incluindo a suspensão da excomunhão de um bispo revisionista, mas sobretudo pelo escândalo dos centenas de casos de pedofilia cometidos por padres que a hierarquia por vezes protegeu. Mais recentemente, o escândalo do Vatileaks revelou as intrigas no Vaticano, enquanto a imprensa fez referência à presença de um suposto "lobby gay".
O futuro Papa deverá "tomar a Cúria nas mãos", considerou o cardeal belga Godfried Danneels, enquanto o cardeal George Pell, chefe da Igreja australiana, abertamente crítico, lamentou a decisão "desestabilizadora" de Bento XVI.
"O governo não é o seu forte. Prefiro alguém que saiba conduzir a Igreja e uni-la um pouco", afirmou Pell à televisão australiana, citando o escândalo conhecido como "Vatileaks", no qual o modorno de Joseph Ratzinger roubou e vazou para a imprensa documentos confidenciais que revelavam lutas de poder entre os cardeais.
O prelado do Benin, Bartolomeu Adoukounou, um ex-aluno de Bento XVI e o número dois do "ministério" da Cultura da Santa Sé, disse à Rádio Vaticano que o novo Papa terá que opor-se à várias mudanças preocupantes, como "o desejo de construir o mundo como se Deus não existisse, bem como o de romper a família e destruir a natureza", segundo ele.
Dirigindo-se aos cardeais, Bento XVI, com os ombros cobertos pelo mosel (capa curta) vermelho bordado e com forro branco, desejou que se tornem uma "orquestra", onde "as diferenças contribuem para a harmonia" da realidade mais elevada da Igreja. Ele agradeceu a "proximidade", "conselho" e "grande ajuda" dos cardeais.
O Vaticano entrou oficialmente em "sede vacante", abrindo caminho para a celebração de um conclave que deverá eleger o próximo chefe da milenar instituição.
O ex-Papa adotará como título oficial "Sua Santidade Bento XVI, Papa emérito".
Em Castel Gandolfo, os fiéis acenderam velas, outros recitaram o rosário acompanhados de textos do Papa teólogo, e ainda devem fazer uma pequena peregrinação até o lago de Albano, a 2 km de distância, segundo a Rádio Vaticano.
O "Papa emérito" passará cerca de dois meses em Castel Gandolfo, distante do alvoroço midiático que cercará a escolha de seu sucessor em meados de março.
O gabinete de imprensa do Vaticano já recebeu no total 3.641 pedidos de credenciamento de 61 países para cobrir a histórica renúncia do papa Bento XVI e o Conclave.
Quando voltar para o Vaticano no final de abril, Joseph Ratzinger irá se instalar em um antigo monastério, onde poderá encontrar seu sucessor e vizinho. Uma coabitação inédita.