A Sede Vacante, em latin Seden Vacans, é o período que vai desde que papa falece ou renuncia até ser eleito o sucessor. O período começou ontem, às 20h de Roma (16h de Brasília) e vai até o final do conclave de cardeais que escolherá o 266° sucessor do apóstolo Pedro. Durante esse intervalo o princípio determinado pelo direito canônico é do inihil innovetour (que não se inove nada). O twitter do papa Bento XVI mudou no início da Sede Vacante e passou a se chamar Sede Vacante e os arquivos antigos ficarão armazenados no site de notícias Vaticano.
Apenas um peregrino
Sai o papa Bento XVI, entra o peregrino, obediente ao próximo pontífice e recluso do mundo até o fim de seus dias. Desde as 20h de ontem (16h em Brasília), a Igreja Católica Apostólica Romana está sem um líder. No horário previsto, os sinos tocaram seis badaladas. Sob aplausos e gritos, os dois oficiais da Guarda Suíça deixaram suas lanças, fecharam os pesados portões da residência oficial de verão de Castel Gandolfo, a sudoeste de Roma, e foram substituídos por três policiais da Gendarmeria. Josef Ratzinger, o cardeal alemão que ascendeu ao trono de São Pedro após exercer o cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, renunciava efetivamente, depois de quase oito anos de um pontificado turbulento. A partir daquele instante, era declarada, na Cidade do Vaticano, a Sede Vacante. O cardeal camerlengo, Tarcisio Bertone, assumia a função de preparar o conclave, a eleição que escolherá o próximo papa. Os aposentos do pontífice, no Palácio Apostólico, foram selados, à espera do sucessor de Bento XVI. Hoje, Bertone enviará mensagens aos 115 cardeais, convocando-os a estar no Vaticano na segunda-feira, para as primeiras reuniões preparatórias. A data do conclave deverá ser divulgada na próxima semana.
Mais cedo, no último contato com o público, Bento XVI, de 85 anos, agradeceu o carinho dos turistas e da população da comuna de Castel Gandolfo, onde viverá por dois meses. "Obrigado, obrigado de coração. Caros amigos, estou feliz por estar com vocês. (…) Obrigado por vossa amizade e por vosso afeto", declarou Bento XVI a cerca de 7 mil fiéis reunidos diante da residência oficial de verão, às 17h31 (13h31 em Brasília). "Bento, eu te amo!", gritavam, muitos sem conseguir conter as lágrimas. "Agora, sou apenas um peregrino que inicia a última etapa de sua peregrinação nesta terra. (…) Vamos adiante, pelo bem da Igreja", acrescentou, antes de se retirar da sacada, enfeitada com o brasão de seu pontificado. Ele usava uma túnica e solidéu brancos, e trazia um enorme crucifixo ao peito.
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Para o monsenhor norte-americano Charles Hilken, pós-doutor em história das religiões e autor de São Pedro e o Vaticano: o legado dos papas, a promessa de Bento XVI de reverência e de obediência incondicionais ao próximo papa não causa surpresa. "Bento é um teólogo, com uma profunda compreensão da primazia de Pedro. Ele assinala que não existe a possibilidade de outro papa à sombra", afirmou em entrevista por e-mail. O padre e teólogo italiano Ariel Levi di Gualdo explica que o ato de renúncia de papa é definitivo e o impede de influenciar o próximo pontificado. "O Sumo Pontífice Bento XVI foi confiado à história, seu reinado acabou e, em um certo sentido, ele morreu enquanto pontífice romano. É natural que o bispo de Roma, depois de se aposentar, prometa obediência ao sucessor", disse.
De acordo com Di Gualdo, a metáfora das nuvens carregadas, adotada ontem por Bento XVI, remonta a vários problemas enfrentados pela Cúria Romana. "Os abusos sexuais foram fontes de grande sofrimento para o Santo Padre Bento XVI. Eles se somaram a vários outros escândalos, como o fato de a Cúria Romana ter sido quase impossibilidade de se governar", comentou o italiano, também por e-mail. O também padre jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, autor de O Vaticano por dentro: a política e a organização da Igreja Católica, lembra que a Igreja sempre foi afetada por crises. "Além de divisões internas, como cismas, reformas e guerras religiosas, ela também sofreu com ameaças externas, como imperadores, reis, nazistas e comunistas. A Igreja é uma instituição fundada por Deus, mas dirigida por seres humanos, que são santos e pecadores", declarou.
Reese concorda com Hilken sobre a linha de ação de Bento XVI, agora como papa emérito. "Na Igreja, só há espaço para um único líder. Ao prometer obediência, Bento mostra que não pretende ser usado por ninguém para minar a autoridade do novo pontífice", afirmou. Segundo ele, existe o risco de a mídia sugerir controvérsias entre Ratzinger e seu sucessor ou de a amigos que o visitarem em Castel Gandolfo e no convento Matter Eclesiae revelarem à imprensa que ele não gostou de uma decisão do novo papa. "Isso causaria uma grande divisão na Igreja", disse o jesuíta. A última renúncia de um líder católico, por vontade própria, havia ocorrido em 1294, quando Celestino V, um eremita, abandonou o trono, em meio a intrigas e corrupção.