A Sede Vacante, em latin Seden Vacans, é o período que vai desde que papa falece ou renuncia até ser eleito o sucessor. O período começou ontem, às 20h de Roma (16h de Brasília) e vai até o final do conclave de cardeais que escolherá o 266° sucessor do apóstolo Pedro. Durante esse intervalo o princípio determinado pelo direito canônico é do inihil innovetour (que não se inove nada). O twitter do papa Bento XVI mudou no início da Sede Vacante e passou a se chamar Sede Vacante e os arquivos antigos ficarão armazenados no site de notícias Vaticano.
Em sua última mensagem como papa, Bento XVI agradeceu pelo amor e apoio de seus fiéis. "Queria que cada um sentisse a alegria de ser cristão, de ser amado por Deus, que entregou o seu filho por nós", postou, após a audiência pública das quartas-feiras. O secretário do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais, Paul Tighe, disse que a conta foi criada para uso de Bento XVI e permanecerá fechada durante o conclave. Assim que terminar o conclave, o novo pontífice decidirá o que fazer com as mensagens. A conta pontifex tem mais de 1,5 milhão de seguidores e foi criada em dezembro do ano passado.
Apenas um peregrino
Sai o papa Bento XVI, entra o peregrino, obediente ao próximo pontífice e recluso do mundo até o fim de seus dias. Desde as 20h de ontem (16h em Brasília), a Igreja Católica Apostólica Romana está sem um líder. No horário previsto, os sinos tocaram seis badaladas. Sob aplausos e gritos, os dois oficiais da Guarda Suíça deixaram suas lanças, fecharam os pesados portões da residência oficial de verão de Castel Gandolfo, a sudoeste de Roma, e foram substituídos por três policiais da Gendarmeria. Josef Ratzinger, o cardeal alemão que ascendeu ao trono de São Pedro após exercer o cargo de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, renunciava efetivamente, depois de quase oito anos de um pontificado turbulento. A partir daquele instante, era declarada, na Cidade do Vaticano, a Sede Vacante. O cardeal camerlengo, Tarcisio Bertone, assumia a função de preparar o conclave, a eleição que escolherá o próximo papa. Os aposentos do pontífice, no Palácio Apostólico, foram selados, à espera do sucessor de Bento XVI. Hoje, Bertone enviará mensagens aos 115 cardeais, convocando-os a estar no Vaticano na segunda-feira, para as primeiras reuniões preparatórias. A data do conclave deverá ser divulgada na próxima semana.
Mais cedo, no último contato com o público, Bento XVI, de 85 anos, agradeceu o carinho dos turistas e da população da comuna de Castel Gandolfo, onde viverá por dois meses. "Obrigado, obrigado de coração. Caros amigos, estou feliz por estar com vocês. (…) Obrigado por vossa amizade e por vosso afeto", declarou Bento XVI a cerca de 7 mil fiéis reunidos diante da residência oficial de verão, às 17h31 (13h31 em Brasília). "Bento, eu te amo!", gritavam, muitos sem conseguir conter as lágrimas. "Agora, sou apenas um peregrino que inicia a última etapa de sua peregrinação nesta terra. (…) Vamos adiante, pelo bem da Igreja", acrescentou, antes de se retirar da sacada, enfeitada com o brasão de seu pontificado. Ele usava uma túnica e solidéu brancos, e trazia um enorme crucifixo ao peito.
A viagem de 25 quilômetros até Castel Gandolfo foi uma despedida cheia de simbolismo. Vários cardeais, bispos, freiras e funcionários da Santa Sé aguardavam Bento XVI no pátio de São Damásio, no Palácio Apostólico. Muitos se ajoelharam diante dele e beijaram sua mão. Ao entrar no carro que o levou ao heliporto, Ratzinger foi aclamado com palmas. A aeronave decolou às 17h06 (13h06) da Cidade do Vaticano. Durante o voo, de apenas 18 minutos, o bispo de Roma pôde contemplar a capital italiana. Estava acompanhado do secretário particular, o arcebispo alemão Georg Gänswein, que já está ao seu lado no retiro em Castel Gandolfo. O helicóptero branco, adornado com um falcão nas cores da Santa Sé, sobrevoou a Basílica de São Pedro e o Coliseu, dois monumentos simbólicos para o cristianismo. Do alto dos prédios, moradores acenaram e tremularam bandeiras. Na Praça de São Pedro, a poucos metros do pátio, uma multidão de católicos acompanhou a saída de seu pastor por meio de telões instalados na Colunata de Bernini.
ESPECULAÇÃO Pela manhã, Bento XVI se reuniu com 144 cardeais e foi saudado por cada um deles. O Brasil esteve representado por dom Geraldo Majella Agnelo, dom João Braz de Aviz (ex-arcebispo de Brasília), dom Odilo Scherer e dom Raymundo Damasceno de Assis. "Entre vós, entre o Colégio dos Cardeais, está também o futuro papa, ao qual já hoje prometo a minha reverência e obediência incondicionais", afirmou Ratzinger, diante de parte dos eleitores de seu sucessor. "Nos últimos oito anos, nós vivemos, com fé, momentos bonitos de luz radiante no caminho da Igreja, junto com momentos em que poucas nuvens no céu engrossaram. Nós tentamos servir a Cristo e à sua Igreja com profundo e total amor, que é a alma de nosso ministério", acrescentou. Ao cumprimentar o cardeal filipino Luis Antonio Tagle, Bento XVI sussurrou-lhe algumas palavras e foi recebido com um sorriso. O gesto levantou especulações sobre a força da candidatura de Tagle ao pontificado.
Para o monsenhor norte-americano Charles Hilken, pós-doutor em história das religiões e autor de São Pedro e o Vaticano: o legado dos papas, a promessa de Bento XVI de reverência e de obediência incondicionais ao próximo papa não causa surpresa. "Bento é um teólogo, com uma profunda compreensão da primazia de Pedro. Ele assinala que não existe a possibilidade de outro papa à sombra", afirmou em entrevista por e-mail. O padre e teólogo italiano Ariel Levi di Gualdo explica que o ato de renúncia de papa é definitivo e o impede de influenciar o próximo pontificado. "O Sumo Pontífice Bento XVI foi confiado à história, seu reinado acabou e, em um certo sentido, ele morreu enquanto pontífice romano. É natural que o bispo de Roma, depois de se aposentar, prometa obediência ao sucessor", disse.
De acordo com Di Gualdo, a metáfora das nuvens carregadas, adotada ontem por Bento XVI, remonta a vários problemas enfrentados pela Cúria Romana. "Os abusos sexuais foram fontes de grande sofrimento para o Santo Padre Bento XVI. Eles se somaram a vários outros escândalos, como o fato de a Cúria Romana ter sido quase impossibilidade de se governar", comentou o italiano, também por e-mail. O também padre jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, autor de O Vaticano por dentro: a política e a organização da Igreja Católica, lembra que a Igreja sempre foi afetada por crises. "Além de divisões internas, como cismas, reformas e guerras religiosas, ela também sofreu com ameaças externas, como imperadores, reis, nazistas e comunistas. A Igreja é uma instituição fundada por Deus, mas dirigida por seres humanos, que são santos e pecadores", declarou.
Reese concorda com Hilken sobre a linha de ação de Bento XVI, agora como papa emérito. "Na Igreja, só há espaço para um único líder. Ao prometer obediência, Bento mostra que não pretende ser usado por ninguém para minar a autoridade do novo pontífice", afirmou. Segundo ele, existe o risco de a mídia sugerir controvérsias entre Ratzinger e seu sucessor ou de a amigos que o visitarem em Castel Gandolfo e no convento Matter Eclesiae revelarem à imprensa que ele não gostou de uma decisão do novo papa. "Isso causaria uma grande divisão na Igreja", disse o jesuíta. A última renúncia de um líder católico, por vontade própria, havia ocorrido em 1294, quando Celestino V, um eremita, abandonou o trono, em meio a intrigas e corrupção.