Jornal Estado de Minas

Cardeais começam reuniões sob sigilo; brasileiro ganha força para ser papa

Renata Tranches e
Diego Amorim, enviado especial

Brasília e Cidade do Vaticano – Os profundos dilemas no seio da Igreja Católica, expostos para o mundo com a renúncia de Bento XVI, deram o tom da primeira reunião preparatória do conclave que escolherá o novo líder da Santa Sé. Dos 115 cardeais com direito a voto, 103 estavam ontem em Roma para as Congregações Gerais. Mas, ao fim do primeiro dia de encontro, a data para o conclave não havia sido fixada. Os religiosos exerceram forte pressão para que seja aberto a eles o relatório entregue no fim do ano passado a Bento XVI, tratando do teor de documentos sigilosos sobre escândalos e intrigas na alta cúpula do Vaticano – o caso batizado de Vatileaks. Esse relatório, elaborado por três cardeais, teria um dos motivos da renúncia do agora papa emérito, segundo versões da imprensa.

A despeito do silêncio que se fecha em torno dos cardeais, continuam ganhando força as especulações sobre os “papáveis”, em um contexto no qual se impõe cada vez mais o exame das origens e capacidades de cada um para lidar com os desafios que a Igreja terá de enfrentar. No fim de semana, o nome de dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, passou a figurar entre as principais apostas da imprensa estrangeira. Ele aparece em todas as listas, algumas das quais incluem outros nomes de brasileiros, representantes do maior país católico do mundo. Os cardeais italianos, favoritos nos primeiros dias após a renúncia, começam a perder força. Embora formem a nacionalidade mais numerosa no Colégio Cardinalício (28, entre os 115 eleitores), eles parecem muito associados às denúncias de corrupção e carreirismo na Cúria Romana.

As duas primeiras rodadas de reuniões foram realizadas na Sala Nova do Sínodo, uma pela manhã e outra à tarde. Segundo a Santa Sé, continuarão sendo realizados dois encontros diários até que seja determinada uma data para o início do conclave e das votações, na Capela Sistina. O porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, indicou que ontem os cardeais concordaram em divulgar uma mensagem para expressar ao papa emérito sua "afeição e gratidão".

O porta-voz não escondeu a cobrança por explicações, quatro dias após a histórica renúncia de Bento XVI. Segundo Lombardi, não haverá uma discussão geral sobre o Vatileaks, mas os cardeais poderão pedir "todas as informações que julgarem necessárias". Consultados pela agência France-Presse, religiosos evidenciaram a pressão, que começou já no fim de semana. "Queremos estar cientes do que está acontecendo no Vaticano, no conjunto da organização central da Igreja, que passou por turbulências nos últimos tempos", declarou o cardeal francês Philippe Barbarin. "Se quisermos tomar boas decisões, devemos ter algumas informações relacionadas a isso", reforçou o sul-africano Wilfrid Napier. Nos dias que se seguiram ao anúncio de que Bento XVI deixaria o trono, a imprensa italiana noticiou a existência de um dossiê secreto entregue a ele pouco antes, descrevendo situações comprometedoras para a imagem da Igreja.

Entre os problemas abordados estariam os escândalos de abuso sexual de menores, que alcançaram inclusive o alto escalão da Igreja. O cardeal Keith O’Brien, único representante britânico, renunciou e não participará do conclave, porque vieram à tona denúncias de "conduta imprópria" dele com jovens seminaristas. Ontem, o cardeal de Chicago, Francis George, defendeu que o próximo papa terá de ser capaz de impor uma política de "tolerância zero" como lei universal da Igreja com relação aos abusos.

APOSTA BRASILEIRA Em meio às especulações, o nome de dom Odilo firma-se entre os favoritos a ocupar o Trono de Pedro. Sintomaticamente, correspondentes estrangeiros no Vaticano abordam jornalistas brasileiros em busca de informações sobre ele. Com menor frequência, também é citado o arcebispo emérito de Brasília, dom João Braz de Aviz. De volta das reuniões, na chegada ao Pontifício Colégio Pio Brasileiro, onde estão hospedados os cardeais brasileiros, o arcebispo de São Paulo não quis falar, invocando o voto de silêncio feito logo de manhã. Já o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Raymundo Damasceno, deixou escapar um breve comentário sobre a possibilidade de dom Odilo ser papa: "Quem sou eu para dizer? Isso, só o Espírito Santo, só Ele mesmo".

As apostas apontam ainda os cardeais de Milão, Angelo Scola,; de Quebec (Canadá), Marc Ouellet; de Nova York, Timothy Dolan; e o ganense Peter Turkson. O especialista em Vaticano Vincent Lapomarda, da College of the Holy Cross (EUA), destaca a proximidade do africano com Bento XVI. "Turkson tem familiaridade com pelo menos meia dúzia de idiomas e é um estudioso bíblico que tem ajudado Bento XVI nos últimos três ou mais anos", afirmou. "Apesar da máxima segundo a qual, no conclave, quem entra papa sai cardeal, é bom lembrar que não foi o caso de Eugenio Pacelli (papa Pio XII)", completa, referindo-se ao conclave de 1939.