Jornal Estado de Minas

Morte de presidente põe futuro do chavismo em xeque

Gabriela Freire Valente Renata Tranches
Emoção tomou conta das ruas de Caracas, a capital da Venezuela, após o anúncio da morte de Chávez - Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters Em seus planos, Hugo Chávez levaria 30 anos para concluir o projeto que sonhou para a Venezuela e para a América Latina. Sua morte interrompeu a jornada no meio do caminho e lançou incertezas sobre o futuro do chavismo e da Revolução Bolivariana, que em sua gênese se confunde com os ideais dopróprio fundador. Já antevendo as preocupações com seu legado, Chávez começou a preparar o país e aliados para dar continuidade ao chamado "socialismo do século 21". O vice-presidente, Nicolás Maduro foi designado para conduzir o bolivarianismo para a era pós-Chavez. No entanto, o curso da história não se restringirá à capacidade de liderança de Maduro, e sim a amplas condições político-econômicas da Venezuela a partir de agora. A incerteza paira sobre a capacidade de os novos líderes darem continuidade ao projeto.
Nos 14 anos de Revolução Bolivariana, Chávez mudou a Constituição, o fuso horário, o brasão e até o nome do país, que passou a se chamar República Bolivariana da Venezuela. Na economia, deixou profundas marcas, como a nacionalização de setores e os projetos sociais patrocinados pela riqueza nacional, o petróleo. Na avaliação do coordenador do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Luiz Fernando Ayerbe, a revolução sempre esteve muito vinculada à liderança do coronel, desde suas eleições e a chegada ao poder, em 1999, e aos recursos econômicos da Venezuela.

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Segundo Ayerbe, com a morte de Chávez, não se pode premeditar o fim da Revolução Bolivariana. Mas a questão que se coloca é se Maduro, apesar de compartilhar os ideais, terá a liderança e o cenário econômico que lhe permitam sustentar as políticas e iniciativas do presidente morto. O cientista político da Universidade Simón Bolívar Tony de Viveiros aponta o desafio da sucessão desenhada no país. " O chavismo, ao longo desses 14 anos, soube construir uma identidade própria, ao redor da figura de Chávez e de sua liderança carismática, que resvalava quase na fé religiosa, na qual se aceitavam delineamentos políticos, sem se importar se eram inverossímeis ou não", opinou.

Para Viveiros, a necessidade de sobreviver politicamente fará com que os chavistas se mantenham coesos, pelo menos a curto prazo. À medida que o tempo passar, as diferenças entre as facções se tornarão mais evidentes. De um lado, segundo o cientista político, estará o que chamou de "esquerda exógena", composta por membros mais próximos a Havana. Do outro, as da "direita endógena", na qual figuram os militares aposentados aliados dos golpistas de 4 de fevereiro de 1992. "Ambas as facções se proclamarão como as verdadeiras herdeiras do legado político de Chávez", afirmou.

Como um complicador a mais, José Vicente Carrasquero, também professor da Universidad Simón Bolívar e da Universidad Católica Andrés Bello, considera que a morte do presidente ocorre em um momento em que seus projetos políticos, ligados ao socialismo do século 21, já começavam a passar por dificuldade. "A qualidade de vida dos venezuelanos mostra sinais de deterioração. Sente-se a falta da supervisão do presidente e de sua gestão de governo.

O motor principal de um projeto político deixa de existir e, agora, a tendência é que ele enfrente maiores dificuldades para seguir avançando", avaliou. O futuro do chavismo, na sua opinião, dependerá de as lideranças venezuelanas superarem as divisões e começarem a reinstitucionalizar o país.

Um homem disposto ao diálogo

O ex-maquinista do Metrô de Caracas e ex-líder sindical Nicolás Maduro, que tem vasta passagem pela política venezuelana, foi escolhido por Hugo Chávez, no ano passado, como o seu vice-presidente e, sobretudo, como o seu sucessor. Nascido em Caracas, em 1962, o chanceler é uma figura de tendência moderada, mas apreciada pela importante aliada Cuba. Diante da missão de substituir o "comandante Chávez", ele vinha, no entanto, tentando reproduzir o discurso do então presidente enfermo e mostrar um lado mais radical em suas aparições públicas nos últimos tempos.

Nomeado o homem de confiança do presidente venezuelano em 7 de outubro de 2012, Maduro foi, em seguida, ratificado à frente do Ministério das Relações Exteriores, cargo que ocupa desde meados de 2006. Chávez o definiu como "um revolucionário por completo, um homem com muita experiência, apesar de sua juventude", e afirmou que ele é "um dos líderes jovens de maior capacidade para dirigir o destino da Venezuela com a mão firme, o olhar e o coração de homem do povo, habilidades interpessoais e o reconhecimento internacional que ganhou".

Maduro foi presidente da Assembleia Nacional (2005–2006), embora sua atividade parlamentar tenha começado no cargo de deputado, em 1999, como membro do Movimento Quinta República (MVR). Seu nome começou a ganhar força como possível sucessor depois da confirmação da doença do amigo, em junho de 2011. Ele é considerado da ala moderada do círculo mais próximo ao presidente venezuelano, diferentemente de outros estreitos colaboradores, como Diosdado Cabello, atual presidente da Assembleia Nacional.

O cientista político Ricardo Sucre destaca as qualidades de Maduro: "Não é ruidoso verbalmente e parece ser uma pessoa com natureza de chanceler, disposta ao diálogo". "Além disso, é a opção dos (líderes cubanos Fidel e Raúl) Castro", acrescenta o professor da Universidade Central da Venezuela. Como chefe das Relações Exteriores, Maduro adotou ao pé da letra, porém, o discurso anti-imperialista do presidente Chávez, hostil aos Estados Unidos, assim como a defesa dos regimes da Síria ou do falecido líder líbio Muanmar Kadhafi.

Em julho, foi acusado pelo governo do Paraguai de ingerência, por ter incitado os comandantes militares paraguaios a evitar a destituição do presidente Fernando Lugo em um julgamento político no Congresso. Ao mesmo tempo, participou dos processos de integração regional impulsionados pela Venezuela nos últimos anos e das negociações com os novos sócios político-econômicos do país, como China e Rússia.

Nos últimos tempos, durante a recuperação de Chávez, o chanceler, casado com a procuradora-geral da República, Cilia Flores, adotou um papel mais de protagonista na diplomacia venezuelana, substituindo-o em conferências internacionais, como a Cúpula das Américas que aconteceu em Cartagena (Colômbia), em abril.