Brasília – Até que o corpo do presidente Hugo Chávez baixe à sepultura, às 10h de amanhã (11h30 em Brasília), Caracas e as principais cidades da Venezuela vão homenagear o líder bolivariano com uma salva de canhão a cada hora. Às 8h de ontem, os primeiros 21 disparos anunciaram o início das cerimônias fúnebres. Três horas depois, o caixão deixou o Hospital Militar Dr. Carlos Arvelo, no Bairro San Martín, sob aplausos. Durante os 6,3 quilômetros que separam o hospital da Academia Militar, milhares de venezuelanos bradavam “Chávez no Panteão, junto com Simón”, “Que viva a revolução”, “Chávez vive, a luta continua” e o tradicional “Eu sou Chávez!”. Os gritos se misturavam ao hino nacional, entoado com emoção pela massa humana.
À frente do cortejo fúnebre, a mãe do líder bolivariano, Elena Frías, secava as lágrimas com um lenço branco, acompanhada de um mar vermelho de chavistas. Muitos deles usavam bonés e as tradicionais boinas – inconfundível símbolo do regime – ou se enrolavam na bandeira da Venezuela. Do alto de viadutos e sobre marquises de prédios, cidadãos comuns se espremiam para se despedir do comandante. O mesmo desejo mobilizou chefes de Estado e de governo, que começaram ontem a chegar a Caracas. O presidente da Bolívia, Evo Morales, caminhou ao lado de Nicolás Maduro, diante do carro que levou o caixão marrom, coberto com o estandarte do país e cercado por flores.
Por volta das 17h50 (19h20 em Brasília), o caixão de Chávez chegou ao Salão de Honra Libertador Simón Bolívar da Academia Militar, para o velório, que duraria três dias, na capela ardente. Depois de ser aberta, a urna foi saudada mais uma vez com o hino nacional. Uma cerimônia ecumênica privada, celebrada pelo monsenhor Sánchez Porras, recepcionou o corpo. “A hipocrisia nunca esteve na boca do comandante presidente”, disse o religioso, durante a homilia. Segundo o jornal El Nacional, um pastor evangélico abençoou o mandatário. “Vossa tristeza se converterá em gozo”, declarou. Rosa Virgínia, María Gabriela, Hugo e Rosa Inés, filhas de Hugo Chávez, e sua neta, Gabriela Rivero, acompanharam a troca da Guarda de Honra. A família ficou cerca de uma hora e meia a sós com o corpo, até que os portões da Academia Militar foram abertos para a visitação pública. Estavam ali, além de Evo Morales, os presidentes Cristina Kirchner (Argentina) e José Mujica (Uruguai).
A professora e advogada Greisy Yusti Solano, de 28 anos, contou que muitos eleitores do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) defendem que o sepultamento de Chávez seja feito no Panteão Nacional, onde estão os restos mortais do libertador Simón Bolívar. “O chanceler, Elias Jaua, disse não saber ainda o local do enterro”, explicou. Ela acredita que o chavismo morreu com seu principal ideólogo. “Como Chávez, não haverá outro igual. Talvez o povo apoie outros líderes com os mesmos ideais dele para prosseguir com a Revolução Bolivariana, mas é provável que uma parte da população decida se neutralizar”, acrescentou Greisy.
“A altura política do comandante político e sua consagração à pátria lhe colocaram ao lado de Simón Bolívar, no Panteão”, comentou o deputado Freddy Bernal, do PSUV, em sua página no microblog Twitter. No entanto, de acordo com o cientista político Tony De Viveiros, da Universidad Simón Bolívar (em Caracas), a demanda pode ficar apenas na vontade popular. A Constituição Nacional Bolivariana determina que o enterro no Panteão Nacional só ocorra se a morte tiver ocorrido 25 anos antes. “Isso teria que ser aprovado pela Assembleia Nacional. Mas o chavismo tem a tradição de pular normas constitucionais ou de interpretá-las como lhe convier. Se quiserem colocá-lo no Panteão, eles o colocarão, não importa que passem por cima da Carta Magna”, criticou.
Ontem, o governo proibiu, até o dia 12, a distribuição, venda e consumo de bebidas alcoólicas em todo o país, segundo o jornal venezuelano El Mundo. Também foram proibidos o porte e posse de armas de fogo durante esse período. A resolução garante “a segurança pública, a paz e a ordem interna e bem-estar das pessoas, dos seus direitos e da propriedade”, durante o período de funeral, enterro e atos em homenagem a Chávez, dos quais vários líderes políticos, presidentes e outras personalidades internacionais vão participar.
DOR E AMOR Victor Johan Morales decidiu se despedir de Chávez antes mesmo do início do cortejo fúnebre. “Era um dever moral estar ali e acompanhá-lo. Eu até teria doado um órgão para salvá-lo. Para muitos de nós, Chávez foi um pai”, afirmou o funcionário da Assembleia Nacional, que chegou ao Hospital Militar Dr. Carlos Arvelo às 10h (hora local). “É algo indescritível. Uma imensa dor que se transforma em amor. ‘Amor com amor se paga’, assim dizia Chávez”, relatou. Segundo ele, o presidente promoveu uma mudança cultural no país e gozava de uma formação política com visão patriótica e de unidade. “Era uma visão social e humana.”
“Chávez se centrou no ser humano, tratando-o como prioridade. Desde então, realizou uma transformação social em toda a Venezuela”, comentou. “Eu diria que mais de 1 milhão de pessoas participaram do cortejo com o corpo de Chávez. Jamais havia visto algo similar. Nenhum presidente foi tão amado pelo seu povo”, garantiu.