Jornal Estado de Minas

CONCLAVE COMEÇA HOJE

Cardeais buscam inspiração divina para escolha do novo papa

Confinados entre a Capela Sistina e a Casa Santa Marta, cardeais fazem escolha decisiva

Diego Amorim
Enviado especial


Cidade do Vaticano – Chegou o dia. Hoje, 115 homens vão se isolar do mundo para eleger quem assumirá a barca de Pedro em plena tempestade. Sob o inspirador teto da Capela Sistina, com os célebres afrescos renascentistas, cardeais de 50 países terão de chegar a um consenso e, em votação ultrassecreta, indicar a 1,2 bilhão de fiéis o novo líder da Igreja Católica. Desde o anúncio de que Bento XVI deixaria o cargo, um mês atrás, nomes de prováveis sucessores vieram à tona. Mas, embora haja favoritos, o processo pode terminar tão surpreendente quanto começou.

 

Na manhã de ontem, os purpurados se reuniram pela última vez antes do conclave, encerrando uma maratona de 10 encontros em sete dias. Ao longo das 27 horas de Congregações Gerais, houve 161 intervenções e, ainda assim, nem todos os inscritos tiveram oportunidade de dizer o que pensam. Na extensa pauta, desabafos e cobranças públicas, o perfil do próximo pontífice e temas espinhosos, como o escândalo do Vatileaks e a situação financeira da Santa Sé.

 Vencido o arrastado período de preparação, está tudo pronto para os cardeais tomarem a decisão mais esperada pelos católicos. Bombeiros do Vaticano instalaram ontem a cortina vermelha no balcão central da Basílica de São Pedro, que se abrirá para o novo papa ser apresentado ao povo. Cerca de 90 pessoas que trabalharão na área do conclave – entre enfermeiros, médicos, seguranças e o pessoal da limpeza – juraram silêncio sobre tudo o que vão ver e ouvir nos próximos dias.

 O responsável por conduzir o conclave, na condição de decano do Colégio dos Cardeais, será o italiano Giovanni Battista Re, um dos que teriam declarado apoio a dom Odilo Scherer, o brasileiro mais citado nas bolsas de apostas da sucessão papal. Apesar de indicarem uma polarização entre dom Odilo, arcebispo de São Paulo, e o italiano Angelo Scola, titular da arquidiocese de Milão, jornais europeus, abastecidos com informações de vaticanistas, informaram ontem que mais da metade dos cardeais não entrará para o conclave com voto definido, o que poderia estender o processo e anular previsões. Há que levar em conta, ainda, a força de nomes que correm por fora, como os dos arcebispos de Boston, Sean O’Malley, e de Nova York, Timothy Michael Dolan, além do canadense Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos.

 Para o povo que espera ansioso pelo tradicional pronunciamento de Habemus papam ("temos um papa"), pouco importa se as especulações vão se confirmar ou não. "Não sei quem vai ser, mas espero que seja jovem. Se for para ficar só de enfeite, não serve", opina a aposentada paulista Amália Irani, de 64 anos, "católica praticante". Como outros milhares de pessoas, ela pretende fazer plantão na praça à espera da fumaça branca.

 Mesmo entre os fiéis mais fervorosos, os papáveis são pouco conhecidos. Quase ninguém consegue indicar um cardeal preferido. "Não sei quem são, mas torço por um latino-americano. Somos mais católicos que os europeus", comenta a cubana Karina Rodrigues, de 37 anos, de férias pela Itália. "Queria alguém mais aberto, mas não é o papa quem vai ditar o que eu tenho de fazer", completa a amiga peruana Heidy Fischer, de 37.

 Acompanhado da esposa e da filha no passeio pelo Vaticano, o comerciante venezuelano René Barandela, de 33, diz ter uma referência para o futuro pontífice. "Precisamos de um papa carismático como (Hugo) Chávez", dispara ele, referindo-se ao presidente morto na semana passada. A partir de hoje, se intensificarão as apostas, as orações, e os olhos do mundo se voltarão de vez para Roma.

 Vigília na catedral da boa viagem

 A partir das 21h de hoje, centenas de jovens da Arquidiocese de Belo Horizonte vão fazer uma vigília, na Catedral da Boa Viagem, na Rua Sergipe, 175, Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul. O objetivo é rezar pelo conclave e pela realização da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que ocorrerá no Rio de Janeiro (RJ), no período de 23 a 27 de julho, com a presença do sucessor de Bento XVI, informa uma das organizadoras, Luisa Duarte. A celebração no Santuário de Adoração Perpétua será comanda pelo bispo auxiliar de BH, dom Wilson Angotti.

 OS PAPÁVEIS
Os nomes destacados por vaticanistas e especialistas como possíveis sucessores de Bento XVI

 » PRINCIPAIS CANDIDATOS

 Angelo Scola (Itália, 71 anos) é o arcebispo de Milão, tradicional plataforma para o papado, e principal candidato italiano. Especialista em teologia moral, foi transferido de Veneza para lá pelo papa Bento XVI em 2011. Scola foi próximo por bastante tempo do grupo conservador católico italiano Comunhão e Libertação, mas manteve distância nos últimos anos. É também familiarizado com o islamismo.

 Odilo Scherer (Brasil, 63 anos) é o principal candidato da América Latina, onde vivem 42% dos católicos do mundo. Arcebispo de São Paulo, maior arquidiocese do país, ele é um conservador para os padrões brasileiros, mas seria visto como moderado em outros lugares. Suas raízes familiares alemães e o período trabalhando na cúria do Vaticano lhe dão ligações importantes com a Europa, o maior bloco de votação.

 Marc Ouellet (Canadá, 68 anos) é o chefe da Congregação para os Bispos, uma espécie de departamento pessoal do Vaticano. Teólogo da mesma linhagem de Bento XVI, declarou certa vez que virar papa “seria um pesadelo”. É bem relacionado na cúria (a administração central da Igreja), e na América Latina e é visto como um conservador, o que lhe rendeu conflitos com a sociedade quando era arcebispo de Québec.

 Sean O’Malley (EUA, 68 anos) é o candidato de “mãos limpas” se os cardeais decidirem que a maior prioridade da Igreja é resolver a crise decorrente dos abusos na Igreja. Nomeado em 2003 como arcebispo de Boston, após uma grande crise por lá devido a abusos sexuais, ele vendeu bens da arquidiocese para indenizar vítimas. Tem autoridade calma e humildade franciscana, ordem que faz parte.

 » POSSÍVEIS ALTERNATIVAS

 Timothy Dolan (EUA, 63 anos), arcebispo de Nova York e chefe da conferência episcopal dos EUA, deu à Igreja dos EUA uma influência inédita nos conclaves. Seu humor e dinamismo agradam a muitos no Vaticano, onde essas são qualidades em falta, e atraem cardeais que querem alguém que seja tão bom administrador quanto pregador. Alguns temem ele que faça uma limpeza rigorosa demais na cúria.

 Leonardo Sandri (Argentina, 69 anos) nasceu em Buenos Aires, mas é filho de italianos. Ocupou o terceiro cargo mais graduado do Vaticano entre 2000 e 2007, como chefe da seção de Assuntos Gerais da Secretaria de Estado do Vaticano. Com experiência, é visto como candidato ideal ao cargo de secretário de Estado. Não tem experiência pastoral, o que pode comprometê-lo como possível ocupante do trono.

 Luis Tagle (Filipinas, 55 anos) tem um carisma comparável ao do falecido papa João Paulo II. O atual arcebispo de Manila se aproximou do papa emérito Bento XVI quando ambos trabalharam juntos numa comissão teológica do Vaticano. É um estrela em ascensão da Igreja na Ásia, mas só virou cardeal em novembro. Pesa contra ele o fato de ser jovem, o que poderia significar um pontificado longo demais.
Peter Erdo (Hungria, 60 anos) aparece como uma possibilidade se a maioria europeia do conclave não eleger um italiano, mas relutar em aceitar um papa de fora do continente. Foi por dois mandatos como presidente da Conferência Episcopal Europeia e tem forte relação com prelados africanos. Ele também é um pioneiro na iniciativa de nova evangelização na Europa.

 Christoph Schoenborn (Áustria, 68 anos) foi aluno de Joseph Ratzinger (Bento XVI) e se tornou arcebispo de Viena após um escândalo de abuso sexual. Pregador poliglota, critica a forma como o Vaticano lida com a crise, e apoia reformas cautelosas, inclusive para demonstrar mais respeito a católicos homossexuais.

 » TAMBÉM CITADOS

 Peter Turkson (Gana, 64 anos) é o principal candidato africano. Chefe do Departamento de Justiça e Paz do Vaticano, é o porta-voz da consciência social na Igreja e apoia uma reforma financeira mundial. Mas numa recente assembleia do Vaticano ele apresentou um vídeo com ataques à religião islâmica, o que gerou dúvidas sobre suas habilidades diplomáticas.

 João Bráz de Aviz (Brasil, 65 anos) levou ar fresco ao assumir o departamento do Vaticano para Congregações Religiosas, em 2011. Vê com simpatia a Teologia da Libertação na América Latina por sua ajuda aos pobres, mas não por seu ativismo de esquerda. O ex-arcebispo de Brasília é discreto, o que pode ajuda ou atrapalhar suas chances, dependendo do andamento do conclave.

 Gianfranco Ravasi (Itália, 70 anos) é o ministro da Cultura do Vaticano e representa a Igreja nos âmbitos da arte, da ciência, da cultura e até junto aos ateus. Escritor e pregador brilhante, propenso a citar de Aristóteles a Amy Winehouse, parece ter um perfil em descompasso com o de pregador–gestor que os cardeais dizem procurar para substituir o influente teólogo Bento XVI.