Otacílio Lage
Em entrevista recente, o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, padre Federico Lombardi, explicou as diferenças entre a Igreja e o Estado Vaticano, entre a Igreja “comunidade de fiéis” e a Igreja Estado. “O essencial é entender que Jesus continua a existir no tempo graças à fundação da Igreja, ou seja, da comunidade que vive de fé, de esperança e de caridade, encontrando na figura de Cristo o caminho para encontrar o Senhor”, disse ele. Segundo o sacerdote, essa comunidade é liderada pelo papa, sucessor de Pedro, e pelos bispos, sucessores dos apóstolos.
Neste contexto, o que mais conta é a “comunidade da Igreja”. “O fato de o papa ser o chefe de um Estado certamente ajuda, mas poderia tranquilamente não o ser”, acentua Lombardi, para o qual a existência do Estado pontifício não é uma condição fundamental para o ser da Igreja: “A instituição respeita completamente a autonomia do Parlamento, e os leigos cristãos oferecem sua contribuição política e civil de acordo com suas responsabilidades. Ela se limita a fornecer indicações para que seus fiéis vivam tais responsabilidades de modo correto, sempre de acordo com a doutrina social da Igreja”.
VALORES Quando surgem questões relacionadas a valores importantes, prezados pela fé cristã, a Igreja manifesta sua palavra e faz as considerações necessárias. “Às vezes, para a dignidade da pessoa, a justiça e a paz, a Igreja local, ou até o papa, faz avaliações ou expressa publicamente sua preocupação.” Em relação ao exterior, o chefe da Sala de Imprensa afirma que a Santa Sé mantém embaixadores – núncios – junto a governos de todo o mundo. “Por intermédio deles, o papa intervém na tutela dos direitos da Igreja, indicando os caminhos morais a seguir para o bem da pessoa do ponto de vista cristão, no papel de “autoridade moral internacional.”
Vale dizer que um Estado secular (laico) é um conceito do secularismo em que o Estado é oficialmente neutro em relação a questões religiosas, não apoiando nem se opondo a nenhuma religião. Um Estado secular trata todos os seus cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar preferência a indivíduos de certa religião. Por sua vez, o Estado teocrático é aquele em que há uma única religião oficial, como ocorre no Vaticano e no Irã. A instituição Estado, desde o seu surgimento na Grécia Antiga, onde os proprietários de terras eram os detentores do poder estatal, vem passando por mudanças. Em Roma, na Idade Média, o poder político era atribuído aos nobres. Vieram os Estados modernos e contemporâneos, cuja finalidade é estabelecer o bem-estar social e o bem público. É preciso lembrar, contudo, que esse modelo está em crise diante da globalização.
Quanto à instituição Igreja, igualmente desde o seu nascimento e o advento do cristianismo, surgiram diferenças em relação a dogmas religiosos praticados anteriormente. Jesus Cristo inovou ao desunir o Estado e a religião. Do século 1 ao 7, a Igreja foi fortalecida, tornando-se a instituição mais influente da Idade Média. O declínio ocorreu com a perda de poder dos papas. Apenas entre os séculos 19 e 20 houve a separação teórica do Estado da Igreja. Com isso foi estudada a separação efetiva e prática das duas instituições, de suma importância para a construção de valores sociais e morais, fundamentadas na lei maior de um Estado, a Constituição.
CIÊNCIA JURÍDICA Nos últimos tempos, o Estado vem tentando valorizar a ciência jurídica e principalmente tutelar todos os direitos e deveres dos cidadãos, por mais que eles sejam polêmicos. Mas tem esbarrado em fortes barreiras religiosas. Temas como utilização de embriões congelados para fins científicos com células-tronco, aborto de fetos anencéfalos, união homossexual e adoção de métodos contraceptivos são combatidos pela Igreja de Roma, que nos últimos anos enfrentou escândalos pontuais, como a pedofilia, envolvendo padres, bispos e religiosos de alta cepa.
A eleição do novo papa passou por tudo isso. Do Vaticano, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, de perfil conservador, foi o escolhido para suceder Bento 16, se alcunhando Francisco. Ele vai comandar 1,23 bilhão de fiéis, quase 20% da população mundial. O 266º pontífice da história da Igreja Católica, o primeiro latino-americano, terá que ser plural e ter bastante fôlego para viajar e conviver com as diferenças. A época do Estado Vaticano absolutista não tem mais vez.