Enviado especial
Cidade do Vaticano – Fiel nos gestos ao nome que escolheu, o papa Francisco mostrou desde as primeiras horas de pontificado a intenção de seguir, à frente da Igreja, os passos do santo que o inspirou. O argentino Jorge Mario Bergoglio, escolhido sucessor de Bento XVI, usou as palavras para defender o evangelho e as atitudes para sinalizar novos tempos no Vaticano. Na sua primeira homilia, na mesma Capela Sistina onde havia sido eleito na véspera, pediu que a Igreja se mantenha ligada às raízes e evite as tentações da modernidade. “Se nós não professarmos Jesus Cristo, nos converteremos em uma ONG piedosa”, declarou diante dos demais 114 cardeais eleitores. Uma de suas primeiras medidas sinalizou o diálogo entre religiões.
Como o ineditismo do nome pontifício, as primeiras atitudes do papa mostraram um sutil rompimento com os antecessores. Já na primeira aparição, na sacada da Basílica de São Pedro, ele chamou a atenção pelo fato de não ostentar todos os paramentos próprios do Sumo Pontífice. Ele surgiu para a multidão todo de branco, sem a murça – capa vermelha usada comumente em momentos solenes. João Paulo II e Bento XVI vestiam o adorno quando as cortinas se abriram para eles, em 1978 e 2005, respectivamente. A estola papal, outra veste litúrgica, também só foi usada por papa Francisco na hora de abençoar a multidão. Ele dispensou o crucifixo de ouro designado aos papas e usou um de aço.
Mais tarde, o novo pontífice se reuniu com os cardeais para celebrar a eleição. Ao propor um brinde, brincou: “Que Deus os perdoe (pela escolha)”, arrancando risos dos colegas. Ele teria repetido o gesto de João Paulo I, em 1978. No cardápio, a habitual salada de entrada, com massa ou carne como prato principal e sorvete e frutas para sobremesa. Na hora de retornar à residência Santa Marta, papa Francisco dispensou o carro oficial para seguir no micro-ônibus com os cardeais, tendo ao lado o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Raymundo Damasceno.
Leia Mais
Papa argentino assume papel importante no relacionamento entre a Igreja e o EstadoPapel de dom Bergoglio durante o regime militar na Argentina é questionado novamenteMineiros que têm o mesmo nome adotado pelo novo pontífice estão envaidecidosMais que palavras ao ar: conheça os discursos de apresentação dos papasArgentinos em BH dividem opiniõesPresidente Dilma vai a RomaCONTRASTE O sermão do papa Francisco foi um marco de contraste com o antecessor, Bento XVI, que leu sua primeira homilia em latim em 2005, estabelecendo sua ampla visão para a Igreja. O pontífice falou em “caminhar, edificar, confessar”. “Nossa vida é um caminho: quando paramos, não vamos para a frente”, disse. “Temos de andar sempre na presença do Senhor, na luz do Senhor, sempre tentando viver de forma irrepreensível”, disse ele, em uma homilia simples e carregada de referências bíblicas. “Quando andamos sem a cruz, quando nós construímos sem a cruz e quando nós proclamamos Cristo sem a cruz, não somos discípulos do Senhor. Somos mundanos”, disse ele. “Nós podemos ser bispos, padres, cardeais, papas, tudo isso, mas não somos discípulos do Senhor”, afirmou. Ele disse que aqueles que constroem sobre os valores mundanos em vez dos valores espirituais eram como crianças construindo castelos de areia. “Então, tudo desmorona”, disse.
Adesão total a Cristo
Gustavo Werneck
Fé, cruz e caminhada, sem perder a direção. Na primeira missa do seu pontificado, celebrada na manhã de ontem na Capela Sistina, em Roma, diante dos 114 cardeais que o elegeram, o papa Francisco disse que a Igreja Católica deve se concentrar no evangelho de Jesus Cristo, para não correr o risco de se transformar numa “ONG piedosa”. Para especialistas, o papa foi no cerne da questão. “O que caracteriza a Igreja não é um simples ideal, mas o fato de a pessoa aderir a Jesus Cristo – e isso ocorre pela fé”, afirma o padre Danilo César dos Santos Lima, titular da Paróquia de Sant’ana, no Bairro Serra, na Região Centro-Sul de BH, formado em liturgia em Roma e professor da PUC Minas. Para o religioso, sendo a Igreja “a esposa de Jesus Cristo”, não é possível aos católicos cultivar um ideal como faz uma ONG, seja em relação à proteção do meio ambiente, dos animais e de outros setores da comunidade. “Na verdade, devemos manter o evangelho e a fé.”
O padre destacou três pontos importantes da homilia do papa Francisco, que disse que quando os fiéis “caminham sem a cruz, edificam sem a cruz e professam sem a cruz, não são discípulos do Senhor”. São três ações importantes: caminhar, edificar e confessar Jesus Cristo crucificado, observou o padre Danilo César. “Cruz não no sentido de dor e sofrimento, mas de entrega. Cruz que representa amor à vida, mesmo estando presa às costas”, afirmou, lembrando que se trata de um tema para reflexão, já que os católicos vivem o tempo da quaresma. Na homilia, o papa disse, de forma simples e com referências bíblicas, que “temos de andar sempre na presença do Senhor, na luz do Senhor, sempre tentando viver de forma irrepreensível”, disse, em uma fala simples e carregada de referências bíblicas.
CATEQUESE
O chefe do Departamento de Filosofia da PUC Minas, padre Ibraim Vitor de Oliveira, lembrou que o cardeal Jorge Mario Bergoglio já afirmara, anteriormente, “que o catequista que não faz a experiência perante Deus, não merece o título de catequista. Esse comentário, na avaliação do padre, se complementa ao comentário de agora, sobre a “ONG piedosa”. “Trata-se de uma organização que não tem vínculo interior. Ninguém é verdadeiramente cristão se não faz a experiência com Deus. Mesmo que haja uma reunião de um grupo de pessoas, é preciso ter um sentimento em relação a Deus.”
Sobre a caminhada, padre Ibraim diz que isso se traduz por envolvimento com a Igreja. “Ninguém pode se considerar completo, que é santo, que a caminhada terminou. É preciso continuar seguindo para edificar. Outra frase presente na homilia, que durou sete minutos, disse o seguinte: “Quem não reza ao Senhor reza ao diabo, já que quando não se proclama Cristo, se proclama a mundanidade do diabo, do demônio”. Para o padre Ibraim, diabo, nesse caso, significa a mediocridade e a desordem. A missa foi celebrada em latim, com algumas leituras em italiano. O novo papa fala pelo menos cinco idiomas: espanhol, italiano, alemão, inglês, francês, além de um pouco de português. A celebração encerrou o conclave que elegeu o cardeal argentino Jorge Bergoglio como 266º pontífice da Igreja Católica.