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Estado de Minas

Assis, na Itália, atrai mais turistas após eleição do novo papa

Moradores da cidade onde viveu o santo que levou o papa a adotar o nome Francisco comemoram a homenagem feita pelo pontífice. Desde o fim do conclave, cresceu o número de turistas que visitam o lugar, relatam os habitantes


postado em 17/03/2013 06:00 / atualizado em 17/03/2013 10:01

Assis – Assis está em festa por Francisco. A terra do santo que inspirou o nome do novo papa tornou-se ainda mais mística para os católicos quando o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio decidiu como passaria a ser chamado. Moradores torcem para que a cidade seja uma das primeiras a serem visitadas pelo pontífice. Em ruelas e templos cheios de significado no alto de uma colina na região da Umbria, 200 quilômetros ao norte de Roma, a vida do morador mais famoso de Assis ainda emociona. O jovem rico que abdicou da nobreza para viver com os pobres revolucionou a Igreja no início do século 13. Hoje, serve de exemplo para o chefe da instituição em tempos de dificuldade.

“Francisco: era disso que a Igreja estava precisando”, vibra o frei Evilásio de Andrade, recém-chegado ao Sacro Convento de Assis, depois quase 10 anos de trabalho pastoral em Brasília. Ele é o único brasileiro entre os quase 70 franciscanos que vivem no local e comemoraram a escolha do nome do papa na noite da última quarta-feira. Quando o papa Francisco foi apresentado ao mundo, os sinos da basílica que leva o nome do “pobrezinho de Assis” badalaram com força, e champanhes foram estouradas. “Desde então, a cidade encheu, parece até que o inverno virou verão”, diz Andrade, enquanto caminha em uma área reservada do convento, sob arcos góticos construídos no século 17. Como tantas outras ordens religiosas, a franciscana viu definhar o número de vocações nos últimos anos. O ineditismo de um papa com o nome do fundador renova a esperança em novos chamados. “Estamos nos sentindo honrados com a escolha e, ao mesmo tempo, corresponsáveis com a missão do papa”, comenta o frei brasileiro.

Santa rebeldia

Na entrada da cidade, dentro da Basílica de Nossa Senhora dos Anjos, está a Porciúncula, uma igrejinha de pedras que Francisco de Assis teria ajudado a erguer depois de ouvir dos céus a ordem de “reconstruir a Igreja”. Não se tratava, porém, da estrutura física. Ao entender isso, o jovem esnobou a riqueza do pai, desafiou o bispo e provocou mudanças profundas nas bases católicas da época. Conta a história que Francisco, certa vez, convidou os amigos para “pregar o evangelho”. Deram uma volta na praça e, sem dar uma palavra, voltaram para o convento, onde o santo ensinou que o jeito simples de ser basta para passar uma mensagem. Francisco, o papa, abraçou desafio semelhante.

Com sinais claros de que terá a simplicidade como marco do pontificado, o novo líder dos católicos já conquistou a irmã gaúcha Natalina Stringari. “Será que ele vai usar o papamóvel?”, questionava ela, ao conhecer o exato lugar onde o jovem de Assis teria morrido, aos 45 anos, em 3 de outubro de 1226. A morte era chamada por ele de “irmã”. A tumba de Francisco, no subsolo da basílica, recebeu a visita de vários cardeais antes do conclave, entre eles os brasileiros dom Geraldo Majella e dom Odilo Scherer. Não são poucos os fiéis de todas as partes do mundo que se entregam às orações no local onde está o corpo do santo.

Grávida de quatro meses, a advogada mineira Grace Kely Lima, de 33 anos, chorou ao receber a bênção de um frade, na saída do templo. “A Igreja tem de retornar à sua essência, às coisas simples”, desejava ela, católica praticante. “Este papa vai trazer de volta um caminho de humildade”, dizia o médico peruano Roger Palma, de 32, que também viajou à cidade para conhecer os caminhos de Francisco.

Santo turismo

Nascido e criado em Assis, o dono de restaurante Antonio Cianetti, de 53, espera o mesmo que os turistas. “É um belo momento para resgatar os valores mais importantes da Igreja”, comentou, na expectativa de receber mais clientes depois a confirmação de que o papa, de fato, se inspirou no santo conterrâneo para decidir o nome. Nos últimos dias, o taxista Mario Terenze, de 46, transportou mais passageiros que o normal. “Depois do papa Francisco, muita gente que estava em Roma aproveitou para conhecer logo Assis”, conta. Terenze é outro que crê em turismo mais aquecido nas próximas semanas, mesmo em baixa temporada e com os termômetros marcando temperaturas negativas.

O papa Francisco e os desafios do concílio

Rodrigo Coppe Caldeira*

Rezar em latim e de costas para os fiéis é um dos elementos lembrados por alguns como o sinal de uma Igreja antiquada e descompassada com o tempo presente. Forma ritual advinda da reforma de Trento (século 16) e “ultrapassada” pelas determinações do Concílio Vaticano II (1962-1965), mas retomada por Bento XVI, este é apenas um dos aspectos da recepção conciliar que o próximo papa enfrentará. O complicado e contraditório processo de recepção – brindado pela renúncia de um papa na comemoração dos 50 anos do evento –, é o maior dos desafios internos do papa Francisco.
Intricada e cheia de nuanças, a questão da recepção conciliar marcou o papado de João Paulo II e, especialmente, de Bento XVI. Cresceram e aprofundaram-se os debates em torno de seus significados. A busca de uma interpretação adequada dos documentos promulgados torna-se o centro de inúmeras controvérsias. Há uma verdadeira luta entre aqueles que se acreditam herdeiros e intérpretes legítimos do concílio. A escolha da maioria dos padres conciliares apontou para o desejo de ultrapassar a simples condenação dos valores modernos. Atitude recorrente do Magistério Eclesiástico da Igreja do século 19 até a metade do 20.

A crença que atravessava a geração entusiástica do concílio era de que a Igreja faria as pazes de uma vez por todas com a modernidade. Não foi o que se viu. Sair da pura negatividade para a pura positividade parece não ter surtido o efeito desejado. Por isso tantos desiludidos. A desilusão, logo após alguns anos da conclusão do concílio, marcou uma inteira geração que acreditava que a Igreja resolveria suas pendengas com a modernidade. Por isso também, as inúmeras avaliações negativas, advindas do orbe progressista, dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI. Ambos considerados como “restauradores” da ordem eclesial anterior ao concílio. Só poderiam ver nesses pontificados o signo da “restauração”, já que não respondiam da forma como acreditavam que deveriam: aceitação dos valores modernos, não mais negatividade e contradições.

Otimistas em relação ao futuro, esperavam uma mudança profunda da Igreja Católica em direção positiva à modernidade. Viram-se frustrados em suas esperanças. Desiludidos, conclamam incessantemente a um nebuoloso “espírito do concílio” para levar a cabo “projetos de Igreja” não previstos nos próprios documentos. É preciso ir além da letra, afirmam. Outros, firmam-se na letra e compreendem que a crise que assinala a recepção relaciona-se com uma interpretação equivocada do concílio. Bem ao estilo de Joseph Ratzinger.

As perguntas que se levantam agora é como o papa Francisco conduzirá a questão. A eleição de Bergoglio para o sólio papal certamente é mais um sinal dos tempos. Histórica por alguns motivos: levar pela primeira vez, depois de quase 1,3 mil anos, um homem não europeu ao trono de Pedro; por ocorrer depois da primeira renúncia de um papa na época moderna; pela escolha do nome Francisco, assinalado por carga simbólica que sugere renovação, simplicidade, humildade e doação. A luta pelo concílio continua e avança no recém-inaugurado papado de Francisco.

Como diz o historiador Georges Duby, “os acontecimentos são como a espuma da história, bolhas que, grandes ou pequenas, irrompem na superfície e, ao estourar, provocam ondas que se propagam a maior ou menor distância”. As ondas do Vaticano II ainda se propagam e chegam até Francisco. O futuro dirá o que foram capazes de realizar no novo papado: marolinhas insignificantes, ondas medianas ou verdadeiros tsunamis.

* Historiador e professor do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas


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