Jornal Estado de Minas

Papa Francisco quer diálogo com o islamismo

Papa Francisco afirma a diplomatas na Santa Sé que deseja maior aproximação com os muçulmanos e ateus e que seu pontificado vai enfatizar o combate à pobreza no mundo

Gabriela Walker
Brasília – O papa Francisco se reuniu ontem com diplomatas de 180 países creditados na Santa Sé e reforçou a intenção de aproximar a Igreja Católica das outras religiões, especialmente do islã. “Não é possível estabelecer laços verdadeiros com Deus ignorando os outros”, declarou o pontífice, que não se esqueceu dos ateus e dos agnósticos e conclamou todos ao diálogo. Sem falar diretamente sobre a guerra, Francisco lembrou que os povos devem estar dispostos e mobilizados para buscar juntos a paz e pediu união na luta contra a pobreza. “Quantas pessoas pobres que ainda existem no mundo e quão grande é o sofrimento que eles têm de suportar!”, lamentou o pontífice. Representantes do Afeganistão e da Arábia Saudita, nações com as quais o Vaticano não mantém relações diplomáticas, também estiveram presentes.


Ao apontar a pobreza de espírito como um dos principais desafios da atualidade, Francisco afirmou que os países mais ricos são “particularmente afetados” pelo problema e citou Bento XVI. “Isso é o que o meu muito amado antecessor chamou de ‘ditadura do relativismo’, o que faz de cada um o seu próprio critério e coloca em risco a co-existência dos povos”, explicou.
A tentativa de aproximar as religiões é vista com bons olhos por vários estudiosos, que citam o Concílio Vaticano II, concluído em 1965, como o documento oficial que insta à reconstrução de pontes entres as doutrinas cristãs e entre a Igreja Católica e diferentes religiões. “Entendo a iniciativa como uma tentativa de neutralizar guerras e conflitos. Um maior entendimento entre os religiosos é fundamental para um futuro de paz", avalia Eduardo Gusmão, professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO).


Para Rodrigo Coppe, professor de ciências da religião da PUC-MG, a Igreja tomou uma posição de liderança, ao conclamar os líderes religiosos ao diálogo. No entanto, esse processo esbarra em questões de identidade religiosa, o que deixa os mais conservadores receosos. “Parece-me que Francisco não tem tanto medo, ele quer conversar com todos, inclusive com ateus”, ressalta o professor.


No discurso para os diplomatas, Jorge Mario Bergoglio – nome de batismo do papa Francisco – quebrou mais um costume e falou em italiano, em vez de francês, o idioma tradicionalmente usado em discussões diplomáticas. Francisco lembrou que o pontífice é aquele “que constrói pontes com Deus e entre os homens” e reforçou a ideia de que seu nome foi escolhido por trazer uma mensagem de austeridade e de amor aos pobres. "O nome nos ensina o respeito profundo por toda criação e proteção de nosso meio ambiente, que, muitas vezes, em vez de usá-lo para o bem, nós o exploramos avidamente, um em detrimento do outro", afirmou.

RELATÓRIO Há 23 dias afastado da função de líder da Igreja, o papa emérito Bento XVI recebe Francisco hoje, ao meio-dia, em Castel Gandolfo, residência de verão do Vaticano. Apesar de já terem conversado pelo telefone algumas vezes desde a escolha de Bergoglio, será a primeira vez que se encontrarão. De acordo com o jornal La Stampa, Bento XVI escreveu, à mão, um relatório secreto de 300 páginas dedicado apenas ao seu sucessor. Analistas especulam que o papa emérito preferiu elaborar seu próprio relatório, que em alguns pontos não deve coincidir com o documento sobre o escãndalo Vatileaks, escrito por três cardeais sobre denúncias de irregularidades dentro da Igreja. “Eles terão muito o que conversar, já que muito precisa ser discutido para limpar a Igreja”, avalia Coppe.

 

 

RISO E SURPRESA

O arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, concedeu sua primeira entrevista depois de retornar de Roma e disse que riu bastante ao saber que seu nome foi cogitado para suceder o papa Bento XVI. “Parecia cobertura de eleição política”, afirmou, completando que só foi saber do que a imprensa noticiou dias depois do conclave. Sobre a eleição do argentino Jorge Bergoglio para papa, dom Odilo declarou que muitos cardeais receberam o fato com surpresa. O arcebispo definiu o novo papa como um religioso “muito discreto, simples, mas muito sábio e grande pastor, um jesuíta com coração franciscano”.