Jornal Estado de Minas

Embaixador brasileiro na Coreia do Norte não crê na guerra

Em entrevista por email o diplomata destaca que "Kim Jong-un não é um louco".

Rodrigo Craveiro
Brasília – Fluente em cinco idiomas – inglês, francês, alemão, russo e espanhol – e há 31 anos na carreira diplomática, o embaixador catarinense Roberto Colin, de 60 anos, tem a incumbência de representar os interesses do Brasil na Coreia do Norte. Em entrevista ao Estado de Minas, o diplomata brasileiro em Pyongyang afirmou que a escalada da retórica belicista – cíclica, segundo ele – atende o desejo do ditador Kim Jong-un de se afirmar como líder ante a população norte-coreana, mas também busca forçar os Estados Unidos a retornarem à mesa de diálogo e testar a presidente da Coreia do Sul, Park Geun-hye. "Certamente, ele não é um louco", disse. De acordo com Colin, a ordem de Kim para aumentar a produção de armas é uma mensagem subliminar ao Ocidente, além de satisfazer os militares do regime comunista.


Como a população de Pyongyang vê o regime de Kim Jong-un e a retórica belicista?
O Estado controla todos os meios de comunicação social e os utiliza para “formar” a opinião da população, sendo difícil saber o que ela realmente pensa. Os norte-coreanos já estão habituados à retórica belicista, que é cíclica, e parece que já não se impressionam muito com isso.
Na opinião do senhor, ele estaria determinado a atacar a Coreia do Sul, como forma de consolidar o seu poder internamente?
Acho que nenhuma das partes pretende, intencionalmente, deflagrar uma guerra, porque ela seria catastrófica para todos. Mas sempre existe o risco de que um acidente ou um mal-entendido possam escalar e escapar ao controle.

Pyongyang ordenou o aumento da produção de armas, a fim de lançar um “ataque preventivo”. Como o senhor vê isso?
Internamente, isso satisfaz os militares. Do ponto de vista externo, é uma mensagem para que não o subestimem, e que está preparado para qualquer eventualidade. "Ataque preventivo" não deixa de ser uma contradição, porque a Coreia do Norte tem afirmado que não tomará a iniciativa de um ataque. mas que reagirá. Insiste, também, que suas armas nucleares são "defensivas".

O senhor acredita que Kim tenha a exata noção do perigo de ameaçar o Ocidente? Ele estaria mais para louco ou para estrategista?
Certamente, ele não é louco. Toda essa escalada da retórica terá várias motivações concorrentes, como sua necessidade de afirmação como líder – tanto nos planos interno como externo –, de forçar os norte-americanos a uma negociação e também de testar a nova presidente sul-coreana. Acho que é um risco calculado.

Há espaço para o Ocidente negociar vantagens políticas com Pyongyang?
Acho que a Coreia do Norte deseja negociar com os Estados Unidos, mas sem condicionantes, como o abandono do programa nuclear. Ao contrário, ela deseja ser reconhecida como potência nuclear.

A percepção externa é de que milhões de norte-coreanos passam fome, enquanto o regime impulsiona a ambição nuclear. Como o senhor vê isso?
A Coreia do Norte considera o programa nuclear vital para a defesa nacional (e para a sobrevivência do regime). Ela procura justificá-lo ao dizer que ele é também fundamental para o desenvolvimento econômico do país, mais precisamente para o setor energético. Kim Jong-un adotou, há uma semana, uma estratégia que ele chamou de "desenvolvimento simultâneo", indicando com isso que a construção econômica está a par com o programa nuclear.

Há quanto tempo o Brasil mantém embaixada em Pyongyang e como o senhor definiria as relações entre Brasil e Coreia do Norte?

A embaixada iniciou suas atividades em 2009. Nossas relações são corretas. As trocas comerciais chegaram a US$ 375 milhões em 2008. No entanto, hoje, estão muito aquém disso. O potencial existe, mas as sanções e o isolamento político e econômico do país dificultam, embora não impeçam os contatos comerciais nem a cooperação econômica.