Um corrosivo painel sobre a China contemporânea, "A Touch of Sin" (Um toque de pecado), do diretor Jia Zhangke, disputa a Palma de Ouro em Cannes sem ter sido censurado pelas autoridades chinesas, que vigiam com rigor as obras do país.
O longa-metragem chinês, muito ambicioso, foi exibido para a imprensa na quinta-feira e relata quatro histórias, entre elas uma sobre uma trabalhadora sexual em um bordel de luxo, que refletem uma sociedade em plena mutação, na qual o capitalismo desenfreado gera uma grande desigualdade e uma colossal falta de humanidade.
O protagonista de uma das histórias, ambientadas em quatro províncias do gigante asiático, é Dahai, operário de Shanxi, que se rebela contra a corrupção dos dirigentes locais e recebe um castigo digno dos filmes de Quentin Tarantino.
A personagem de outro relato é uma recepcionista em uma sauna de Hubei, no centro da China, que vira uma lutadora quando um cliente tenta abusar dela.
O episódio, como o título do filme, faz referência a "A Touch of Zen" do taiwanês King Hu, um clássico das artes marciais de 1969.
O protagonista do último segmento, talvez o mais triste, é um jovem de Dongguan (sudeste), que, pressionado pelo trabalho, pela família e pela falta de esperanças, se joga pela janela de um prédio.
Em entrevista à AFP, o diretor explicou que todas as histórias são baseadas em eventos reais, conhecidos por quase todos na China.
"Muitas pessoas na China enfrentam crises pessoais pela grande desigualdade entre ricos e pobres", disse o diretor de 43 anos.
"Antes, em meus filmes eu tentava relatar a vida cotidiana. Neste eu tinha vontade de ir mais longe. Com o desenvolvimento fulgurante da sociedade chinesa, há muitas coisas que se tornam extremas. E quando digo extremo, digo violência", disse Jia Zhangke.
Quando as primeiras cenas do filme foram divulgadas há alguns dias no Youku - o Youtube chinês -, os internautas previram que o longa-metragem nunca será visto no país em consequência da censura do regime comunista.
Mas Jia afirma que "A touch of sin" poderá ser assistido nos cinemas chineses.
"Recebi a autorização antes de viajar a Cannes. É uma boa notícia", afirmou o cineasta.
"Estamos entrando em uma era na qual você é seu próprio meio de divulgação. Há muitas decisões que são tomadas por meio do twitter", afirmou.
O filme, parcialmente produzido por recursos chineses, foi aplaudido na sessão para a imprensa.
Esta é a terceira participação do diretor em Cannes, onde nunca foi premiado.
"O que mais me interessa é que o filme seja assistido por muitas pessoas, que provoque discussões, que provoque reações. Esta seria a maior recompensa", concluiu.
Na mostra paralela Semana da Crítica o destaque desta sexta-feira foi o filme italiano "Salvo", de Fabio Grassadonia e Antonio Piazza.
O longa-metragem conta a história de um assassino da máfia, Salvo (interpretado pelo palestino Saleh Bakri), que deve matar Rita (Sara Serraioco), cega de nascimento, e que acompanha impotente o assassinato do irmão.
No momento em que Salvo deve matar Rita, algo acontece, Rita recupera a visão e o mafioso desiste do crime, o que une o destino de ambos para sempre.