Nunca antes na história do Egito tantas pessoas saíram às ruas para demonstrar sua insatisfação e revolta com um governo. Exatamente um ano depois da posse de Mohamed Morsi, um islamita alinhado à organização Irmandade Muçulmana, cerca de 17 milhões de egípcios marcharam no Cairo e nas principais cidades do país para exigir a renúncia imediata do presidente e a convocação de eleições. Muitos manifestantes classificaram o 30 de junho de "o dia da segunda revolução". Na capital, opositores tomaram a Praça Tahrir e atacaram o quartel-general da Irmandade Muçulmana. A polícia teria reagido com munição letal – moradores do Cairo divulgaram, por meio do microblog Twitter, que quatro pessoas morreram somente nesse episódio. A situação no interior não foi menos tensa: confrontos entre islamitas e opositores de Morsi deixaram um morto em Beni Sueif, a 115km do Cairo, e três em Assiut, a 318km de Tahrir. Até o fechamento desta edição, as autoridades reconheciam a existência de pelo menos quatro mortos e de 174 feridos.
"Derrubem Morsi" e "Não mais Irmandade" foram as principais palavras de ordem entoadas pela multidão. Também foram registradas marchas da oposição em Alexandria, Menuf, Mahalla, Suez e na cidade natal de Morsi, Zagazig. Os governistas contra-atacaram e protestaram, alguns levando barras de ferro e usando capacetes.
Enquanto helicópteros Apache sobrevoavam a Praça Tahrir, uma aeronave permanecia de prontidão para uma possível fuga do presidente, pousada próximo ao palácio. Por meio do porta-voz Ihab Fahmi, a Presidência do Egito deixou claro que o diálogo é a única saída para a crise política. "Não há nenhuma medida a ser tomada que não seja o diálogo. Não há outra alternativa para chegar a uma reconciliação nacional verdadeira", pontuou Fahmi.
"Milhões de pessoas decidiram permanecer nas ruas até que Morsi se vá. Ele é a figura-chave da segunda revolução. Começaremos a desobediência civil amanhã (hoje), em todos os lugares", afirmou pela internet Waleed Rashed, co-fundador do Movimento Juvenil 6 de April, um dos principais órgãos de oposição ao governo. "Para mim, Morsi é Mubarak de barba. Não tivemos uma mudança neste último ano", comentou. O levante civil, denominado de Tamarod (ou "rebelde"), foi antecedido pela coleta de 22 milhões de assinaturas de cidadãos defendendo a renúncia do chefe de Estado. Em entrevista por telefone, Rasha Kamel, professora de obstetrícia e ginecologia da Universidade do Cairo, contou que participou dos protestos de ontem. "Eu soube que, há poucos minutos, o QG da Irmandade Muçulmana foi alvo de explosões e pegou fogo", disse.
Rasha lembrou que, desde sua eleição, Morsi nada fez pelo Egito. "O presidente perdeu sua legitimidade depois de criar um decreto não constitucional. Ele deu todos os ministérios e cargos vitais a pessoas desqualificadas, apenas porque são afiliadas à Irmandade Muçulmana", afirmou, referindo-se à instituição de superpoderes. A médica não tem dúvidas de que o Egito vive uma nova revolução. "Nesse último ano, as coisas pioraram muito. Falta comida, não temos mais eletricidade nem água. O governo de Morsi está ruim e ele nada faz para melhorá-lo", acrescentou.
Enquanto retornava de uma manifestação diante do palácio presidencial, no bairro de Heliópolis, o gerente farmacêutico Hazem Amin, de 27 anos, contou o que teria motivado a mobilização dos egípcios. "As pessoas se sentiam rotuladas pelo governo de não crentes e de infiéis. Isso levou muita gente a sair de casa para protestar contra a impotência e a incompetência de Morsi, além de suas políticas, que estão levando o país à falência", explicou por meio da internet.
A Frente de Salvação Nacional (FSN), maior coalizão opositora do Egito, divulgou a Declaração Revolucionária Número 1, convocando os egípcios a permanecerem nas ruas até que Morsi abandone o poder. "Todas as forças revolucionárias e todos os cidadãos devem manter suas reuniões pacíficas em seus lugares, nas ruas, nas cidades do país, até a queda de todos os elementos do regime ditatorial", defendeu a entidade, por meio do documento. O jornal Al-Akhbar, controlado pelo governo, admitiu, na edição de ontem, que "o Egito está à beira de um vulcão".