A Justiça espanhola indiciou o condutor do trem que descarrilou na véspera em Santiago de Compostela, deixando pelo menos 80 mortos. Até a noite de ontem, o funcionário da companha estatal Renfa, que opera a linha onde ocorreu a tragédia, permanecia hospitalizado e sob custódia policial. Identificado como Francisco José Garzón Amo, 51 anos, ele foi intimado pelo juiz encarregado e deve prestar depoimento hoje. Uma análise preliminar da caixa-preta da composição, divulgada pelo jornal La Voz de Galicia, confirma que o veículo seguia a 190 km/h em uma curva onde o limite era de 80 km/h. O governo espanhol decretou três dias de luto nacional.
As informações do equipamento indicam que o trem estava a 200 km/h na reta que antecede o trecho do acidente, mas não reduziu a velocidade a tempo. Técnicos consultados pela imprensa espanhola acreditam que o excesso de velocidade tenha sido a principal causa do descarrilamento, mas sustentam que um só fator não poderia ter provocado um desastre de tais proporções.
Roberta Marchesi, gerente-executiva da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANP Trilhos), explica que trens de alta velocidade costumam utilizar sistemas automáticos de frenagem e aceleração, bem como dispositivos anticolisão. "Esses sistemas garantem que trechos de curvas ou túneis sejam feitos em segurança", afirma. Assim como ela, Telmo Porto, especialista em ferrovias da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), acredita que não existe uma única causa para o acidente em Santiago de Compostela: "Esses sistemas são redundantes. Certamente, houve falha humana, somada a outros fatores".
A gerente da ANP Trilhos ressalta, porém, que, apesar de um comunicado da Renfa indicar que o descarrilamento ocorreu em uma via de alta velocidade, o trem percorria um trecho regional de média velocidade no momento do acidente. De acordo com o jornal El País, esse está equipado com um dispositivo de segurança chamado Asfa, que só permite frenagem automática caso o trem viaje acima de 200 km/h, deixando a cargo do condutor controlar a composição até esse limite. Juan Jesús García Fraile, secretário do Sindicato de Maquinistas Ferroviários (Semaf) da Espanha, disse à publicação que a tragédia "poderia ter sido evitada" caso o sistema de segurança fosse o ERTMS, mais avançado, que freia o trem automaticamente em áreas de velocidade limitada. Representantes da Renfa afirmaram que a composição acidentada não apresentava problemas técnicos e, na própria manhã que antecedeu o descarrilamento, tinha passado por uma inspeção, feita a cada 7.500km percorridos.
VÍTIMAS A busca por vítimas nas ferragens foi encerrada ainda na manhã de ontem e os vagões foram removidos para perícia. Até então, a Administração de Serviços Ferroviários (Adif) não sabia quando o fluxo de trens seria restabelecido. De acordo com La Voz de Galicia, quase 3 mil usuários foram afetados pelo acidente em menos de 24 horas. A composição, que seguia de Madri para Ferrol, transportava 222 pessoas, incluindo quatro eram tripulantes. O jornal El País contabilizou 178 feridos, e serviços de atendimento psicológico e de informação foram oferecidos aos afetados. Na noite de ontem, 95 pessoas permaneciam hospitalizadas, 33 delas em estado grave. De acordo com o Consulado Geral do Brasil em Madri, não há relato de brasileiros entre os mortos e feridos.
O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, que é natural de Santiago de Compostela, esteve na cidade e transmitiu seu pesar à população. "Hoje é um dia muito difícil. Quero transmitir, em meu nome e do governo da Espanha, meu pesar a todas as famílias das pessoas que morreram, e que infelizmente são muitas", declarou, ao lado do presidente da região da Galícia, Alberto Núñez Feijóo, que anunciou sete dias de luto na comunidade. O rei Juan Carlos e a rainha Sofía também expressaram solidariedade e visitaram feridos em um hospital.
Em nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores, o Brasil lamentou o acidente e se disse solidário com o povo e o governo da Espanha. "O governo brasileiro transmite sua solidariedade e suas condolências aos familiares das vítimas, bem como ao povo e ao governo da Espanha", diz o texto. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que se sente "comovido e entristecido" pela notícia do descarrilamento.