Jornal Estado de Minas

Confrontos sangrentos deixam pelo menos 72 mortos no Cairo

AFP

Pelo menos 72 egípcios morreram em confrontos registrados neste sábado no Cairo entre simpatizantes de Mohamed Mursi e as forças de segurança, tornando-se os mais letais desde a queda do ex-presidente.

A escalada da violência gerou uma onda de advertências da comunidade internacional ao novo governo.

Neste sábado, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disse que seu país está "profundamente preocupado" com "o derramamento de sangue e com a violência" das últimas horas. Em um mês de graves distúrbios políticos, já há mais de 300 mortos.

As autoridades egípcias "têm a obrigação moral e legal de respeitar o direito de se manifestar de maneira pacífica e a liberdade de expressão", declarou Kerry.

A Turquia condenou a violência e pediu a transferência de poder para uma "direção democrática". O mesmo apelo foi feito pela representante diplomática da União Europeia, Catherine Ashton.

A Grã-Bretanha condenou, por sua vez, "o uso da força contra os manifestantes", e a França pediu a "todas as partes e, especialmente ao Exército, maior contenção".

A mais alta autoridade muçulmana do Egito, o imame de Al Azhar, xeque Ahmed al Tayeb, pediu uma "investigação urgente" dos últimos acontecimentos, e o vice-presidente do poder de transição, o Prêmio Nobel da Paz Mohamed ElBaradei, "condenou energicamente o uso excessivo da força".

De acordo com novo balanço divulgado pelo Ministério da Saúde, 72 pessoas morreram, e mais de 400 ficaram feridas nos enfrentamentos.

Pela manhã, jornalistas da AFP haviam registrado o total de 37 mortos em um hospital de campanha dos islamitas. Todos foram mortos a tiros, segundo o médico Amal Ahmad Ibrahim.

A polícia informou que pelo menos 50 de seus agentes ficaram feridos, alguns a bala.

Os confrontos, pelos quais ambos os lados se acusam mutuamente, explodiram algumas horas depois da celebração de maciças manifestações.

Partidários de Mursi, acampados nos arredores da mesquita Rabaa al Adawiya, no bairro cairota de Nasr City, tentaram cortar o tráfego a caminho do aeroporto e enfrentaram moradores de um bairro próximo, anunciou o porta-voz do Ministério do Interior, general Hani Abdelatif.

A polícia intercedeu e "usou apenas gás lacrimogêneo", garantiu o porta-voz, insinuando que as dezenas de mortos que os islamitas lamentam foram vítimas de moradores da vizinhança.

Já os simpatizantes de Mursi denunciam "policiais de uniforme e capangas" que atiraram "balas de verdade".

Em nota, os Irmãos Muçulmanos condenaram um "massacre desumano" e garantiram que apenas "reforçará a determinação para rejeitar o golpe de Estado e exigir o retorno à legitimidade, encarnada pelo presidente eleito". Eles também reafirmaram, "pela enésima vez, o caráter pacífico das (suas) manifestações".

Neste sábado, milhares de pró-Mursi que acampam em Rabaa al Adawiya se preparavam para passar mais uma noite no local. Podia-se ver vários cartazes com a palavra "pacífico", em resposta às acusações de provocar os distúrbios.

O ministro do Interior, Mohamed Ibrahim, anunciou o desmantelamento "muito em breve" de dois acampamentos no Cairo, onde os defensores de Mursi se instalaram desde sua queda.

Ele prometeu uma intervenção "dentro da lei", com "o menor número de perdas possível". O ministro pediu aos manifestantes que deixem o local "para evitar um derramamento de sangue".

Para o porta-voz do Ministério do Interior, a resposta maciça do povo ao apelo do chefe do Exército, general Abdel Fatah al Sisi, para que fossem às ruas, dando-lhe "um mandato" para "acabar com o terrorismo" mostra que o povo "deseja a estabilização do país sob a proteção do Exército e da polícia".

Já os partidários de Mursi percebem a violência deste sábado como "o resultado direto do pretendido mandato reivindicado por Sisi", artífice da derrocada do primeiro presidente eleito democraticamente no Egito.

A Frente de Salvação Nacional (FSN), principal coalizão política de esquerda e liberal laica, manifestou sua "tristeza" após os sangrentos episódios, mas denunciou "a atitude provocadora" dos Irmãos Muçulmanos.

"O general Sisi é o homem forte do novo regime" e "conta com o apoio de uma grande parte da população, devido à sua ação contra os Irmãos Muçulmanos", comentou o professor de Ciência Política da Universidade do Cairo, Mustafa Kame el Sayed.

Segundo fontes de segurança, um civil e um policial morreram na península do Sinai.

O Exército afastou o presidente Mursi do poder em 3 de julho, alegando que ele não conseguia resolver a grave crise política que abala o país desde sua eleição em junho de 2012.